Cofres dos Estados vão sentir pressão por gasto com pessoal
Enviado Segunda, 13 de Fevereiro de 2023.Economia fraca e perda de arrecadação também são desafios para cumprir limite previsto na LRF
Após a melhora durante a pandemia, as finanças dos Estados devem voltar ficar pressionadas neste ano pelas despesas com pessoal, segundo especialistas em contas públicas ouvidos pelo Valor Fiscal. A piora do cenário se deve à possibilidade de concessão de reajuste de servidores, após o fim do congelamento dos salários em dezembro de 2021, e à perspectiva de desaceleração das receitas dos Estados.
A maioria dos Estados conseguiu, durante a pandemia, comprometer menos de suas receitas com pagamento de gasto com pessoal. No terceiro quadrimestre de 2022, apenas o Rio Grande do Norte destinava mais da metade de sua Receita Corrente Líquida (RCL) para bancar a folha de pagamento e que descumpria o limite (49%) previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), considerando apenas as despesas do Executivo. Em 2019, Minas Gerais, Acre e Mato Grosso não atendiam os limites da LRF, além de Rio Grande do Norte.
“É natural que tenha aumento de despesa com pessoal, algum tipo de reajuste depois desse período de ajuste”, explicou o pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) Manoel Pires. “Há uma melhora [no indicador gasto com pessoal/RCL], mas alguns Estados estão no limite. Dependendo do que for feito com a folha [de pagamento] e a da dinâmica da receita, pode ser que isso volte a apertar.”
A economista Juliana Damasceno, da Tendências Consultoria, também avalia que é difícil sustentar esse cenário mais positivo neste ano. Isso porque, segundo ela, a expectativa é de aumento da despesa com pessoal - dado que haverá o impacto integral de reajuste concedidos no ano passado e novos podem ser liberados neste ano - e de redução de arrecadação como a do ICMS devido à desoneração de combustíveis, energia e telecomunicações. Doze Estados devem subir a alíquota modal do ICMS entre março e abril para compensar parte da perda de arrecadação.
O governo potiguar comprometeu 53,5% da RCL com gasto com pessoal no terceiro quadrimestre do ano passado, acima do estabelecido para o Executivo na LRF. Outros seis Estados mais o Distrito Federal fecharam 2022 no limite de alerta (44,1%): Acre (46,4%), Distrito Federal (44,2%), Minas Gerais (48,4%), Paraíba (45,3%), Rio de Janeiro (45,8%), Roraima (44,9%) e Rio Grande do Sul (47,9%).
As informações constam do Relatório de Gestão Fiscal referente ao terceiro quadrimestre dos anos de 2019 a 2022, divulgado pelo Tesouro com base nas informações repassadas pelos Estados. O percentual considera somente as despesas com folha de pagamento do Poder Executivo.
Segundo o secretário de Tributação do Rio Grande do Norte e presidente do Comsefaz (Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Economia ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal), Carlos Eduardo Xavier, no ano passado, as despesas do Estado foram pressionadas pela evolução de mais de 30% do piso do magistério.
“Cumprimos integralmente o piso. Agora, a governadora [Fátima Bezerra, do PT] quer cumprir om a obrigação de garantir o novo reajuste de 14,95%, mas não temos ainda a forma como vamos fazer isso”, disse Xavier. “O Estado é pequeno e mexeu-se na principal receita própria de forma abrupta. Também precisamos cumprir repactuações [salariais] ao longo dos quatro anos e algumas impactaram mais em 2022”, complementou.
O secretário disse ainda que nenhum Estado estava preparado para a desoneração do ICMS no ano passado. “Mexeu-se na matriz de receita mais segura, que é energia, telecomunicações e combustíveis.” A partir de abril, o Rio Grande do Norte vai elevar a alíquota modal do ICMS de 18% para 20% para compensar as perdas.
À frente do Comsefaz, Xavier tem negociado com o governo federal uma compensação da desoneração do ICMS no ano passado e está otimista sobre a possibilidade de encontrar um denominador comum. Na semana passada, ele participou de reuniões com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o secretário do Tesouro, Rogério Ceron.
“O atual governo estabeleceu outro ambiente para dialogar. As reuniões foram positivas. Há divergência sobre os valores que nós entendemos devidos: a gente trabalha com R$ 45 bilhões, e a União, com R$ 18 bilhões. Há interpretações diferentes das leis”, afirmou. “É uma realidade que está posta, estamos buscando junto ao governo federal antes da reforma tributária recompor as nossas receitas.” “É uma situação que vai se espelhar pelo país inteiro porque tivemos no meio do ano fiscal uma alteração abrupta das receitas, devido às leis complementares 194 e 192.”
Mesmo com um percentual elevado gasto com pessoal em relação a RCL, o Rio Grande do Norte diminuiu o comprometimento durante a pandemia. Em 2019, o Estado destinou 60,6% da RCL para bancar gasto com pessoal, percentual que caiu para 54,8% em 2020, 54,% em 2021 e 53,5% em 2022. No caso de Minas Gerais, a despesa com pessoal representava 58,4% da RCL em 2019, recuando para 53,9% em 2020, 48,7% em 2021 e 48,4% em 2022.
Esse movimento foi verificado, na maioria dos entes federativos, devido às transferências do governo federal para ajudar os Estados no enfrentamento do impacto do coronavírus na economia, especialmente em 2020.
As receitas também foram alavancadas pela valorização dos preços das commodities e pela influência da inflação. Além disso, as despesas com pessoal foram contidas com o congelamento dos salários dos servidores até o fim de 2021, resultado do da decretação do Estado de Calamidade devido à pandemia.
O Estado de Alagoas encerrou o terceiro quadrimestre do ano passado com as despesas com pessoal representando 40,9% da RCL, mas apesar do indicador estar abaixo do apurado em 2019 (44,7%), registra em aumento em relação a 2021 (35,6%).
Segundo o secretário de Fazenda do Estado de Alagoas, George Santoro, o desempenho do Estado foi afetado pela arrecadação de receitas extraordinárias em 2021. Ele destacou que no ano passado o governo fez uma reestruturação de mais de 30 carreiras do Estado. A medida vai ajudar a conter o déficit previdenciário, mas deve pressionar o gasto com pessoal no curto prazo.
“Provavelmente em 2023, nós teremos um acréscimo nesse indicador de pessoal. É uma tendência”, explicou o secretário. “Só vamos ter um número mais estável a partir de 2024. [O gasto com pessoal] Deve se estabilizar 44% a 45% da RCL”, disse.
Fonte: Valor Econômico