Fazenda já pode recorrer à Justiça em caso de derrota no Carf
Enviado Sexta, 03 de Fevereiro de 2023.A Fazenda Nacional já pode recorrer ao Judiciário quando for derrotada no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Não é necessária alteração legal para essa medida, aventada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no anúncio do seu primeiro pacote de medidas fiscais. A informação foi dada pela procuradora-geral da Fazenda Nacional, Anelize Almeida, em entrevista ao Valor.
“Eu disse para o ministro que a gente tem a competência [para recorrer]”, diz. De acordo com ela, essa é a interpretação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) da Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União (Lei Complementar nº 73, de 1993). “A gente representa a Fazenda Nacional ativa ou passivamente. Em casos específicos é possível recorrer à Justiça, como já aconteceu. Estamos estudando.”
Estão sendo analisadas, acrescenta, as teses em que a Fazenda apresentaria recurso. “Em algumas teses, o Carf acabou decidindo contra decisões do Judiciário. Em outros casos, a jurisprudência ainda estava sendo formada. É uma análise da tese e do processual, de qual a melhor estratégia que a gente vai usar”, afirma.
Entre os temas em estudo, segundo Anelize, está o da “trava de 30%” - o limite anual de prejuízo que pode ser abatido do cálculo dos tributos federais que incidem sobre o lucro. Foi fixado pelas leis nº 8.981 e nº 9.065, ambas de 1995. Antes todo o prejuízo podia ser deduzido.
A PGFN ainda analisa qual o instrumento processual adequado. Para Anelize, existem muitos argumentos para recorrer, além da tese, para dizer que a decisão, apesar de ter sido tomada pela estrutura da administração pública, está violando o sistema tributário de forma geral e causando distorção na concorrência.
Lana Borges, chefe da procuradoria-geral adjunta de Representação Judicial, reforça que há temas em estudo. “O que vai na frente é essa preocupação com a afronta de precedentes. É uma garantia inclusive para os contribuintes, para toda a comunidade jurídica”, afirma ela, lembrando que as decisões do Carf, até então, na tese da trava de 30% eram em sentido contrário ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O entendimento do Carf sobre a trava de 30% já começou a ser revertido no primeiro dia de julgamentos com o retorno do voto de qualidade - o desempate pelo presidente da turma julgadora, representante da Fazenda.
A relatora, conselheira Lívia De Carli Germano, representante dos contribuintes, disse, no julgamento de um caso sobre o assunto, que até 2009 a matéria era pacífica, depois passou a ser julgada com voto de qualidade contra as empresas. Com a mudança no desempate em 2020, acrescentou, voltou a ser favorável ao contribuinte. Para ela, as decisões de turma do STJ não vinculam o Carf - que só é obrigado a seguir repetitivo (a palavra final do STJ sobre um tema).
De acordo com Tathiane Piscitelli, professora da FGV Direito SP, o contribuinte, quando perde, pode ir ao Judiciário via mandado de segurança ou ação anulatória porque o princípio da universalidade da jurisdição se aplica aos cidadãos como forma de contenção do poder do Estado em face deles. “Nesses termos, a autoridade tributária não teria a universalidade de acesso a jurisdição. O próprio Código Tributário reconhece que a decisão administrativa final reconhecendo que tributo não é devido gera extinção do crédito tributário”, afirma.
O voto de qualidade representa, em certa medida, um equilíbrio a essa distribuição de forças que não é igual entre contribuinte e Fazenda, segundo Tathiane. Mas, por outro lado, é um mecanismo controvertido na medida em que o Fisco acaba sendo privilegiado. Para a professora, é compreensível que a PGFN recorra como forma de equilíbrio, “mas não há respaldo legal”.
Fonte: Jornal Valor Econômico