Corte do ICMS ameaça plano de socorro, afirma Rio

Enviado Terça, 06 de Dezembro de 2022.

A execução do plano de recuperação fiscal acordado em junho entre o governo do Rio de Janeiro e a União foi inviabilizada pela publicação das leis complementares 192 e 194, de 2022, que alteraram a cobrança pelos Estados do ICMS sobre combustíveis, energia elétrica e comunicações. O alerta é do titular da secretaria de Fazenda fluminense, Leonardo Lobo, para quem a perda de receitas provocada pela redução forçada de alíquotas alterou completamente o contexto financeiro em que foi assinado o novo Regime de Recuperação Fiscal (RRF).

Estimativa da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) divulgada em novembro indica que a arrecadação de ICMS do Estado do Rio deve encolher 6% neste ano, na comparação com 2021. “Tínhamos um plano que era exequível e que eu assinei. Aí veio a [lei complementar] 194 e mudou esse cenário. Quem mudou o cenário não fui eu, foi a União”, argumenta Lobo.

A LC 194 limitou a alíquota do ICMS incidente sobre combustíveis, gás natural, energia elétrica e serviços de transporte coletivo e comunicação. Ao definir esses bens e serviços como essenciais, a lei restringiu a cobrança à alíquota utilizada nas operações em geral, a chamada “alíquota modal”. Esse percentual varia entre 17% e 18% de acordo com o Estado, sendo que o Rio adota este último valor. Antes, as alíquotas de ICMS incidentes sobre gasolina e energia elétrica no Estado eram de 32% e 28%, respectivamente.

De acordo com Lobo, técnicos da STN e dos Estados que aderiram ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) - Rio de Janeiro, Goiás e Rio Grande do Sul - iniciaram conversações para discutir os efeitos negativos das duas leis complementares. Apesar da abertura do diálogo entres Estados e União, fonte do governo federal que acompanha de perto a situação fiscal do Rio enxerga riscos à continuidade do RRF devido a decisões que ampliaram despesas obrigatórias.

“Pode [haver aumento de despesa], se estiver ressalvado no plano [de recuperação fiscal]. A questão são as amplas interpretações sobre as ressalvas”, explica a fonte, sob condição de anonimato. A reestruturação do quadro permanente da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro - prevista em lei sancionada pelo governador Cláudio Castro (PL) em março - foi considerada em setembro uma violação dos termos da RRF pelo conselho de supervisão do regime, exemplifica a fonte.

O mesmo ocorreu com a lei estadual nº 9.632, de abril, que estabeleceu um acréscimo de uma gratificação de 18% à remuneração dos servidores do Departamento Geral de Ações Sócio-Educativas (Degase), além de instituir um adicional de qualificação para este pessoal.

Lobo frisa que as decisões foram tomadas antes da entrada em vigor das leis complementares 192 e 194, quando não havia qualquer sinal de uma alteração dessa magnitude na legislação tributária. “No sentido estrito, legal, é violação”, admite o titular da pasta, referindo-se a alguns dos pontos destacados pelo conselho de supervisão do Regime de Recuperação Fiscal. “Mas, no fim das contas, continuávamos alcançando o objetivo [equilíbrio financeiro de longo prazo] até a 192 e a 194”, acrescenta.

Na tentativa de solucionar o impasse surgido a partir da entrada em vigor das duas leis complementares, representantes dos Estados, do Distrito Federal e da União negociam um acordo a partir uma comissão formada por determinação do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Nesse contexto, Lobo acredita que primeiro é preciso chegar a um acordo sobre as leis 192 e 194 dentro do processo de mediação, para depois “repensar a federação”. A mudança no pacto federativo passa, necessariamente, por uma “reforma tributária urgente”. O ideal, na visão dele, seria ter o substitutivo do Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 110 como ponto de partida, uma vez que já existe consenso dos governadores em torno da proposta.

O secretário afirma que, apesar dos percalços tributários, o Rio tem situação financeira mais favorável do que a de outros Estados. Além de contar com recursos oriundos dos leilões de concessões de serviços da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), o Executivo fluminense projeta uma enxurrada de recursos dos royalties do petróleo para 2023. Nada menos que R$ 27 bilhões em royalties e participação especial estão previstos no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA).

A estimativa se baseia num preço de US$ 93 pelo barril de petróleo, enquanto a Petrobras, em seu plano de investimento divulgado na semana passada, trabalha com um valor de US$ 85 para 2023. Diante da conhecida dependência do governo fluminense das receitas do petróleo, a Fazenda estadual estuda - ainda em caráter muito inicial - alternativas para estabilizar este fluxo de recursos.

Uma das opções seria a criação de um fundo de estabilização da receita - o Estado já conta com um fundo soberano voltado principalmente para financiar o desenvolvimento social e econômico. Outra alternativa seria recorrer a instrumentos de hedge (proteção contra variações cambiais ou no preço da commodity, por exemplo) disponíveis no mercado financeiro.

Fonte: Valor Econômico