Derrubada de veto presidencial muda cálculo e alimenta disputa entre Estados e União por ICMS

Enviado Sexta, 05 de Agosto de 2022.

União e Estados divergem sobre metodologia de cálculo da compensação por perda de receita

A derrubada de vetos à lei que cortou o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre combustíveis, energia, comunicações e transportes urbanos agravou as divergências entre União e Estados sobre se há ou não perda de arrecadação por causa do corte do tributo, e como a eventual perda deve ser compensada.

Essas diferenças de interpretação são o centro das discussões do grupo especial criado no Supremo Tribunal Federal (STF) para mediar as posições de União e Estados. Houve reunião na terça-feira na qual não se chegou a nenhum acordo, mas os trabalhos prosseguirão até o dia 4 de novembro.

O tema é debatido também em reuniões técnicas do Ministério da Economia com representantes dos Estados. Uma rodada foi realizada ontem.

O STF analisa a constitucionalidade das Leis Complementares (LCs) 194 (que cortou as alíquotas) e 192 (que mudou a base de incidência do ICMS sobre combustíveis). A combinação das duas produziu a queda dos preços nas bombas, mas imporá perda de arrecadação aos Estados neste segundo semestre.

O corte do imposto é uma iniciativa do presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição. O objetivo é reduzir a inflação.

A versão da LC 194 sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro diz que, apenas em 2022, as perdas de arrecadação maiores do que 5% sofridas pelos Estados “em relação à arrecadação desse tributo no ano de 2021” serão compensadas pela União. Isso está no caput do artigo 3º.

A derrubada do veto a dois parágrafos desse artigo abriu caminho para a celeuma. A retomada do parágrafo primeiro permitiu aos Estados argumentarem que a recomposição das perdas deve ser integral, e não só da parcela que ultrapassar 5%. O texto que tinha sido vetado pelo presidente e retomado pelo Congresso diz que “o total das perdas de arrecadação de ICMS do Estado ou do Distrito Federal irá compor o saldo a ser deduzido pela União”.

Nos debates técnicos, a equipe econômica tem defendido que a recomposição é sobre as perdas maiores do que 5%, como está no caput. Os Estados defendem que é integral, como diz o parágrafo 1º.

Para o diretor Institucional do Comitê de Secretários de Fazenda dos Estados (Comsefaz), André Horta, a regra dos 5% é apenas um “gatilho” para acionar a compensação. Mas, uma vez acionado, a compensação deve ser integral. A compensação vale só para o ano de 2022, embora o corte nas alíquotas do cerca de 25% para 18% seja permanente.

A retomada do parágrafo 4º é a base da divergência sobre a forma de cálculo da perda de receitas a ser compensada pela União. A equipe econômica defende que a queda, se houver, deve ser calculada comparando-se as receitas do ano de 2022 com as do ano de 2021, como está no caput.

O parágrafo 4º, porém, diz que a compensação ocorrerá “no montante à diferença negativa entre a arrecadação de ICMS observada a cada mês e a arrecadação observada no mesmo período do ano anterior”. Ou seja, fala em calcular a perda comparando-se mês a mês, e não ano a ano.

É a posição defendida pelos Estados. A liminar concedida pelo ministro do STF Alexandre de Moraes para São Paulo determina essa forma de cálculo.

O cálculo anual ou mensal faz toda diferença, porque o corte nas alíquotas ocorreu a partir de julho. O Valor mostrou em sua edição de ontem que os Estados tiveram ganho de arrecadação na primeira metade do ano. Assim, se for considerado o ano todo, a perda tende a ser bem menor do que se a redução for calculada mês a mês.

Na visão dos Estados, o ganho nas receitas do ICMS no primeiro semestre é explicado pela alta da inflação. Preços mais altos trazem arrecadação maior. O Ministério da Economia vê um componente estrutural nesse crescimento. Analisando a arrecadação do ICMS em 2021, os técnicos observaram que os recolhimentos cresceram a um ritmo maior do que o observado de 2017 a 2019.

O economista Sergio Gobetti, especialista em contas públicas, tem outra explicação para isso. Para ele, o vigor da arrecadação do ICMS em 2021 se deve à retomada mais forte da indústria no pós-pandemia. O setor é grande pagador do tributo, e a arrecadação estadual acompanha seu ritmo.

No primeiro semestre de 2022, disse ele, os recolhimentos do ICMS avançaram cerca de 16%, mesma variação do Produto Interno Bruto (PIB) da indústria. Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o deflator do PIB industrial avançou 17,9%, enquanto o componente real caiu 1,5%. Para ele, essa é uma evidência que o crescimento do PIB industrial e, portanto, do ICMS, é explicado unicamente pela inflação. O Congresso ainda não terminou de analisar os vetos à LC 194, o que quer dizer que a confusão pode aumentar.

A União corre o risco de ter de repor, de forma permanente, a parcela das perdas na arrecadação do ICMS que seriam destinadas ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e à área de saúde. É o que está no artigo 5º, vetado. Ele diz que o volume de recursos estaduais e municipais destinados a essas duas áreas será mantido. Há controvérsia se essa reposição é temporária ou não.

As compensações da União são pagas aos Estados na forma de descontos no serviço da dívida que eles têm com o Tesouro Nacional ou de dívidas contratadas com outros credores em que o governo federal seja avalista. Considerando os Estados já autorizados por liminares do STF a recompor as perdas do ICMS, o Ministério da Economia estima que deixará de receber R$ 8,1 bilhões este ano.

Fonte: Valor Econômico