Combustíveis são exceção na arrecadação dos Estados

Enviado Quinta, 23 de Junho de 2022.

Em meio às mudanças em curso no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), a arrecadação dos Estados perde fôlego em setores importantes. A receita total com o tributo nos 26 Estados e Distrito Federal alcançou R$ 226 bilhões no primeiro quadrimestre do ano e subiu 16,7% nominais contra iguais meses de 2021, em alta ainda 4,6 pontos percentuais acima da inflação acumulada em 12 meses até abril.

A composição, porém, mostra que a alta real foi sustentada pelos segmentos de petróleo, combustíveis e lubrificantes e de energia elétrica, que avançaram 45,6% e 21% nominais em igual comparação, respectivamente. Combustíveis e energia devem ter alíquota do ICMS limitada com a sanção do PLP 18/2022. Nos setores secundário e terciário, que representam mais de 60% da receita de ICMS, foi diferente. Nesses dois setores o aumento da receita com o tributo de janeiro a abril empatou com a inflação ou ficou abaixo dela.

Os dados foram retirados do portal do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). Por não terem até ontem os dados de abril de 2022 disponíveis no portal, Rio de Janeiro e Espírito Santo tiveram receita considerada até março para comparação. O desempenho do ICMS preocupa representantes das Fazendas estaduais e especialistas, tanto pela desaceleração de receita em alguns setores quanto pela iminente perda de arrecadação com as novas medidas para o imposto.

Pelos dados do Confaz, o setor terciário, composto por comércio atacadista, varejista e serviços, é o mais importante na arrecadação agregada de ICMS do país. A receita do imposto do setor somou R$ 83 bilhões no primeiro quadrimestre, com alta nominal de 8% contra iguais meses de 2021, em taxa 4,13 pontos percentuais abaixo da inflação de 12,13% medida pelo IPCA em 12 meses até abril. O desempenho fez a fatia do setor na arrecadação total do imposto cair de 39,7% em 2021 para 36,7% neste ano, sempre no primeiro quadrimestre. No setor secundário, onde estão as indústrias, a alta de receita de ICMS foi de 11,5%, pouco abaixo da inflação acumulada. O setor perdeu 1,2 ponto percentual na fatia da arrecadação total do imposto, ficando com 26,4% de janeiro a abril deste ano.

O espaço dos setores secundário e terciário foi tomado principalmente pelo grupo de petróleo, combustíveis e lubrificantes, que avançou de 15,4% para 19,3% na receita total de ICMS do país em igual período. Energia elétrica também avançou, embora pouco, com apenas 0,39 ponto percentual, mantendo posição importante com fatia de 10,89% do ICMS total de janeiro a abril de 2022.

Energia e combustíveis, além de telecomunicações, estão entre os itens que sofrerão impacto do PLP 18/2022. Ao estabelecer a comercialização dos três itens como atividade essencial, o projeto limita a cobrança do ICMS nesses produtos à alíquota padrão, que é de 17% ou 18%, dependendo do Estado.

Juliana Damasceno, economista da Tendências e pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), lembra que os três setores são as chamadas “blue chips” do ICMS, por tradicionalmente garantirem a arrecadação dos Estados. Para alguns combustíveis e em alguns Estados, lembra ela, o PLP 18 fará a alíquota cair à metade, num impacto abrupto para os governos estaduais. “E não há garantias de que isso será devolvido na forma de uma inflação menor.” As “fontes reais” de pressão sobre os preços dos combustíveis, avalia, são externas, como a alta das cotações internacionais de petróleo e o câmbio, que, embora reflita a percepção de risco em relação ao país, tem sido mais influenciado pela política monetária do Fed, o banco central americano. “Podemos zerar todos os impostos sobre combustíveis e ainda teremos volatilidade nos preços dos combustíveis no mercado doméstico.”

Fernanda Pacobayba, secretária de Fazenda do Ceará, lembra que a base de comparação em relação a 2021 para o ICMS é relativamente alta. Segundo dados do Confaz, no primeiro quadrimestre de 2021 a receita de ICMS de todos os 27 entes subiu 19,5% nominais em relação a iguais meses do ano anterior. A inflação acumulada em 12 meses era bem menor que a deste ano, de 6,76%. A receita com o imposto no Ceará cresceu naquele período 20,4% nominais. Mas no primeiro quadrimestre deste ano, lembra, o Estado sentiu não somente a desaceleração do imposto como o efeito da inflação nos insumos.

A arrecadação cearense de ICMS subiu 14,7% nominais de janeiro a abril deste ano ante iguais meses de 2021, 2,57 pontos percentuais acima da inflação nos 12 meses até o período. “Mas os gastos estão aumentando. O custeio da saúde subiu 40%. Os Estados também estão sentindo o impacto da alta de preços e o impacto do PLP 18 será direto na veia.” Segundo ela, a compensação prevista pelo projeto será insuficiente. As projeções do Estado indicam que em seis meses a perda será de R$ 2,16 bilhões, incluindo o impacto aos municípios e no Fundeb. A compensação deve ser R$ 466,3 milhões, indica.

O que está ajudando alguns Estados, diz George Santoro, secretário de Fazenda de Alagoas, é a transferência do Fundo de Participação dos Estados (FPE), num reflexo de que a arrecadação federal de Imposto de Renda ainda continua mais vigorosa. Enquanto a receita líquida de ICMS de janeiro a abril de 2022 ficou com alta 1,4 ponto percentual acima da inflação contra iguais meses de 2021, a de FPE ficou 15,14 pontos acima.

Em Minas Gerais, a arrecadação de ICMS no acumulado de janeiro a abril aumentou 16,7% nominais. Os combustíveis, diz o secretário de Fazenda do Estado, Gustavo Barbosa, tiveram a contribuição mais relevante no aumento da receita em razão da alta de preços. Isso, lembra, aconteceu mesmo com o ICMS dos combustíveis congelado desde novembro. Os dados apontaram aumento nominal de 38,04% na arrecadação com petróleo e combustíveis no Estado. O setor de comércio e serviços foi o único grande setor com queda real na arrecadação, num recuo de 3,65%.

Para Minas, diz Barbosa, o PLP 18 vai refletir algo como 15% de perda de ICMS e não tem nenhuma compensação, observou o secretário. “Os combustíveis representam 21% da arrecadação. Qualquer impacto tem efeito importante. As diretrizes são bastante preocupantes para os Estados.” Para o ano, a estimativa, diz, é de que a receita com ICMS cresça entre 7% e 8% nominais contra 2021, quando a arrecadação subiu 26%.

Em São Paulo, informa o secretário de Fazenda e Planejamento, Felipe Salto, a arrecadação de ICMS de janeiro a maio subiu 5,3% reais ante um ano antes. Para ele, a evolução precisa ser avaliada mensalmente, com a instabilidade gerada pelas mudanças no imposto.

Fonte: Valor Econômico