A farra arrecadatória de Estados e municípios na reforma
Enviado Terça, 04 de Novembro de 2025.Estados e municípios estão aproveitando a subjetividade do termo “carga tributária atual” para alterar a regra do jogo e possibilitar o aumento dos tributos no futuro
Recentemente o Congresso impôs uma derrota ao governo, ao não aprovar a Medida Provisória (MP) nº 1303, que aumentaria a tributação de investimentos e penalizaria o já sobrecarregado contribuinte brasileiro. Após a vitória, o discurso adotado pelos deputados foi de que esse seria um recado no sentido de que não se toleraria mais o aumento de impostos.
Acontece que o Legislativo é um soi-disant leão na briga contra impostos federais, mas um cordeirinho quando o assunto é aumento da carga tributária estadual e municipal. Os entes subnacionais têm festejado o processo de regulamentação da reforma tributária, já que o Congresso vem, na surdina, aprovando medidas que implicarão em enorme aumento de arrecadação do IBS - o novo imposto que será compartilhado por Estados e municípios - nos próximos anos.
Um primeiro exemplo das medidas ocultas de arrecadação da reforma diz respeito à possibilidade de cobrança dos tributos hoje existentes na base dos novos (criados com a reforma) no período de 2029 a 2032 - durante a fase de transição. A mesma Câmara dos Deputados que há poucos dias se vangloriava de ter derrubado o aumento dos impostos propostos pelo governo federal, em 2023 excluiu da proposta de emenda constitucional da reforma tributária uma regra que vedava a cobrança de imposto sobre imposto - um absurdo já afastado pelo STF. Essa brecha permitirá que, durante quatro anos, os Estados e municípios inflem as bases de cálculo utilizadas para determinação do ICMS e do ISS.
Também recentemente, o Senado Federal aprovou, com alterações, o segundo projeto de reforma tributária - o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 108/24. Esse projeto, vale lembrar, é coordenado, majoritariamente, por secretários de Fazenda dos Estados, e visa regulamentar as questões administrativas atinentes ao IBS, tais como o funcionamento do Comitê Gestor e os detalhes do processo administrativo tributário. Essa coordenação fiscalista foi responsável por um texto perverso para os contribuintes - por exemplo, com a novidade de uma composição desproporcional dos principais órgãos de julgamento administrativos tributários, que será formado com a participação decorativa de contribuintes.
Insatisfeito em promover distorções no processo administrativo fiscal, esse segundo projeto foi além, e está sendo utilizado para alterar regras já aprovadas da reforma e aumentar a tributação, contrariando a promessa de que os novos tributos manteriam a atual “carga tributária” atualmente existente.
Estados e municípios estão aproveitando a subjetividade do termo “carga tributária atual” para alterar a regra do jogo e possibilitar o aumento dos tributos no futuro. Em resumo, querem modificar a regra já definida pelo Congresso, de que o parâmetro para o cálculo dos novos tributos deva corresponder a uma média da arrecadação nos 10 anos anteriores à aprovação da reforma, ou seja, 2012 a 2021. Essa regra garantiria uma média justa para o cálculo.
No entanto, os Estados e municípios pretendem alterar o período a ser considerado como base para o cálculo da carga tributária pós-reforma, para aproveitar a alta arrecadação dos últimos três anos, muito decorrente de recentes aumentos de impostos. Para o setor de combustíveis, por exemplo, as alíquotas federais da reforma serão definidas tendo como referência uma carga tributária futura: os anos de 2025 e 2026 serão a base para o cálculo do tributo federal e os anos de 2027 a 2028, a base para o tributo estadual/municipal.
Na prática, isso significa abandonar a promessa de manter a carga de hoje e passar a trabalhar com uma carga futura - que ainda nem sabemos qual será, mas temos a certeza de que não será inferior à carga atual.
Ainda pior foi a alteração promovida pelo Senado que modificou o período de referência para o cálculo do IBS com o intuito declarado de viabilizar maior arrecadação pelos municípios. Originalmente prevista para considerar o período de 2012 a 2021, a nova regra estabelece agora, como referência, o período de 2024 a 2026, possibilitando o aumento de carga de impostos cobrados hoje, para que se reflitam na carga futura. A emenda que propôs tal mudança, inclusive, indicou a possibilidade de arrecadação de mais R$ 37 bilhões com essa alteração.
Não esqueçamos, ainda, que durante as discussões da reforma tributária, diversos Estados majoraram suas alíquotas do ICMS de olho nessa arrecadação futura. Esse movimento havia sido interrompido quando se aprovou a fixação do período de referência como 2012 a 2021, mas agora retomou força com a mudança dos senadores.
Esse texto do Senado - que alterou o período de referência do IBS para viabilizar o incremento da arrecadação futura pelos Estados e municípios - ainda será votado pela Câmara. Ou seja, os mesmos deputados que, outro dia, se gabaram de terem impedido o aumento de impostos promovido pelo governo federal, se verão à frente do aumento de impostos de Estados e municípios. Esperemos que mantenham a coerência.
- Luiz Gustavo Bichara e Bruno Checchia são sócios do escritório Bichara Advogados
Fonte: Valor Econômico - Opinião
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