O planejamento patrimonial e o perigo da fake news tributária
Enviado Terça, 28 de Outubro de 2025.São muitas orientações exortando as pessoas a se mobilizarem através da criação de holdings
Há que se ter prudência; em muitos casos, gasto de constituição e manutenção supera ganhos potenciais
No rastro da reforma tributária, a cena jurídico-empresarial brasileira tem sido inflamada nos últimos meses por artigos e entrevistas, dando o tom acerca de uma premente necessidade de estruturação patrimonial de pessoas físicas por meio das chamadas holdings familiares.
A bem da verdade, esse tema está longe de ser inédito no debate nacional. O que ocorre é que os velhos planejamentos patrimoniais estão sendo agora turbinados pelos ventos das alterações legais recentemente implementadas na Constituição Federal pela Emenda Constitucional 132, bem como por aquelas que ainda estão por vir, por meio do PLP 108, especialmente em relação ao Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).
São muitas orientações, algumas em tom quase de alarde, exortando as pessoas com algum patrimônio a se mobilizarem o mais rapidamente possível, através da criação de holdings, que nada mais são do que pessoas jurídicas com controle ou participação sobre outras, objetivando pagar menos tributo a partir das potencialmente vindouras regras do PLP 108.
Todavia, há que se ter muita prudência na tomada de decisão, de modo a se avaliar o efetivo custo e eventual benefício decorrente da adoção de procedimentos legais para criação de estrutura patrimonial. Definitivamente, essa é uma operação que interessa apenas a grupos muito seletos da sociedade, com patrimônio diversificado, necessidade sucessória clara e governança minimamente estruturada. Em muitos casos, o gasto de constituição e de manutenção supera os ganhos potenciais.
É fundamental que a pessoa interessada pondere todas as razões que a motive à adoção de tal expediente e as contraponha com aquilo que a legislação de fato prevê, bem como com aquilo que o Fisco ou a jurisprudência podem vir a enxergar dentro de um espectro reiterado de posicionamentos já emitidos.
Não é tarefa demasiadamente complexa para um profissional capacitado e, sobretudo, bem intencionado, orientar seu cliente sobre os riscos e ganhos advindos de um planejamento patrimonial.
Já há algum tempo que as Fazendas estaduais e municipais possuem normas e posicionamento jurisprudencial no encontro dos temas que, atualmente, são propalados como grandes mudanças no ordenamento. Exemplos disso são o valor de mercado já atribuído às quotas de sociedade e ao bem imóvel integralizado em uma pessoa jurídica; a atenção com a atividade preponderante da sociedade alvo da operação, na hipótese de não incidência constitucional do ITBI, assim como a forma com que determinado imóvel pertencente à sociedade é utilizado pelo respectivo sócio, para fins de incidência ou não do imposto de renda.
O que não dizer do muito falado aumento da carga do ITCMD. Vige na regra atual o limite percentual máximo de 8% (Resolução do Senado 9/1992). Não há notícia de que o PLP 108 aumentará essa carga. O que há efetivamente no projeto é o estabelecimento de critérios de progressividade das alíquotas, respeitado o teto de 8%.
Para diversos Estados da Federação, nenhuma novidade, eis que já adotam em sua legislação essa mecânica de tributação, inclusive, utilizando o limite de 8% hoje permitido. O Estado de São Paulo, em sentido beneficamente diverso, está discutindo em sua Assembleia Legislativa o PL 409/25, o qual mantém a carga limite em seu território no patamar de 4%. Não haveria, por tais motivos, qualquer razão para açodamentos na adoção de um plano de estruturação patrimonial.
Outro ponto pouco explorado é a padronização de competências e conceitos. O Supremo Tribunal Federal (STF) já assentou a necessidade de lei complementar para heranças e doações com elementos no exterior, o que invalidou cobranças unilaterais dos estados nesses casos. O PLP 108 busca organizar regras gerais do ITCMD e harmonizar critérios entre entes federativos. Enquanto a lei complementar não estiver aprovada, valem as amarras atuais. Não é correto sugerir que haverá aumento automático e generalizado de carga antes dessa etapa.
Evidentemente, como foi ressaltado mais acima, não se trata de condenar o planejamento patrimonial em si, o que seria um total desatino. É, na verdade, uma provocação à pessoa interessada neste expediente para que demande do profissional que a esteja orientando sobre as efetivas vantagens e riscos na estruturação desse negócio, sobretudo ponderando em maior medida os custos de tal operação.
Não é desejável que um planejamento legal concebido para trazer conforto e satisfação ao interessado descambe em um resultado prático redundante, do ponto de vista fiscal, ou, pior, que possa produzir contencioso e despesa mais elevada do que a preservação da situação jurídico-patrimonial anterior.
A reforma tributária pede atenção e serenidade, não pressa. Quem privilegia avaliação técnica consistente, em vez de reações imediatistas, evita cair em fake news tributária e melhora sua posição em eventual diálogo com o fisco no futuro. Planejar é saudável quando resolve um problema real e entrega segurança.
- José Guilherme Missagia: Sócio do Daudt, Castro e Gallotti Olinto Advogados
- João Pedro Tavares: Advogado do escritório Daudt, Castro e Gallotti Olinto Advogados
Fonte: Folha de S. Paulo
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