Procuradorias pedem alterações no projeto que regulamenta a reforma tributária

Enviado Sexta, 19 de Setembro de 2025.

Conselho Nacional da Advocacia Pública Fiscal (Conap) enviou notas téncicas ao relator do texto no Senado, senador Eduardo Braga (MDB-AM)

Representantes das procuradorias das Fazendas nacional, estaduais, distrital e municipais pedem que seja restabelecido no Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 108, que regulamenta a reforma tributária, a atribuição do Fórum de Harmonização Jurídica das Procuradorias para uniformizar interpretações jurídicas, inclusive para fins de dispensa de atuação perante o Poder Judiciário. O pedido consta em nota técnica apresentada pelo Conselho Nacional da Advocacia Pública Fiscal (Conap) ao relator do texto no Senado, senador Eduardo Braga (MDB-AM).

Pela proposta, a atribuição ficaria com o Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias (Chat), que não tem participação de procuradores. “Você não pode tirar da advocacia pública a competência para interpretar a legislação”, diz a presidente do Conap e procuradora-geral da Fazenda Nacional, Anelize Lenzi Ruas de Almeida.

Se o texto for mantido como está, acrescenta, a saída seria pedir o veto desse ponto ou mesmo recorrer ao Judiciário com a alegação de violação à competência constitucional das procuradorias. “Só depois de chegarem milhares de processos ao Judiciário, a procuradoria poderá se manifestar”, afirma a procuradora-geral.

Além de, na prática, eventualmente receitas e procuradorias divergirem sobre a necessidade de seguir recorrendo em alguns temas - e o entendimento de um órgão não vincula o outro -, a mudança deixou entre alguns procuradores a impressão de tentativa de esvaziamento de algumas funções das procuradorias.

Para o Conap, a existência do Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias, cujas resoluções vinculam apenas a atuação dos Fiscos (Receita Federal e Secretarias de Fazenda estaduais e municipais, ou seja, os órgãos de fiscalização e de cobrança administrativa), não supre a necessidade de atuação e harmonização das interpretações jurídicas realizadas pelas procuradorias. A advocacia pública atua em outras etapas de cobrança do crédito tributário e em outras instâncias (judiciais, consultivas e administrativas), além de exercer o controle de legalidade do crédito tributário com a finalidade de evitar litígios, diz a nota.

A oitiva obrigatória do Fórum de Harmonização Jurídica das Procuradorias estava prevista no texto aprovado pela Câmara dos Deputados. Foi excluída sob a justificativa de que as decisões do Chat vincularão, apenas, as administrações tributárias dos entes federativos. Na nota técnica, a Conap aponta que, apesar da ausência de efeitos vinculantes, é certo que a participação do Fórum de Harmonização Jurídica das Procuradorias na atividade de harmonização da interpretação do IBS e da CBS é “indispensável para prevenção e pacificação de litígios entre contribuinte e Fisco”.

Em outra nota técnica, o Conap critica o prazo de até 12 meses para inscrição de débito na dívida ativa previsto no PLP 108/2024. O grupo aponta que a proposta “enfrenta graves problemas conceituais e estruturais que ameaçam a segurança jurídica, a eficiência da arrecadação e violam preceitos constitucionais”. O trecho se refere apenas ao IBS (inscrições municipais e estaduais/distritais).

O parecer do relator apresentado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do PLP 108/2024, prevê que os entes federativos podem delegar ao Comitê Gestor do IBS (CGIBS) a competência para inscrever a dívida ativa fruto do inadimplemento do novo tributo e que o regulamento dele definirá o prazo máximo para a realização das atividades de cobrança administrativa, desde que não superior a 12 meses, contado da constituição definitiva do crédito tributário.

Segundo a Conap, o CGIBS, sendo um órgão de gestão administrativo-fiscal focado na arrecadação, não possui a natureza nem a distância necessárias para esse controle. “Delegar-lhe a competência de inscrição significa fundir as funções de quem constitui o crédito com quem valida sua legalidade final”, afirma em nota técnica.

A previsão de até 12 meses é vista como danosa porque o prazo retardaria o início da cobrança efetiva, dando margem a maior risco de fraude. “Este longo período cria uma perigosa janela de oportunidade para o devedor, que pode promover a dilapidação patrimonial e outras fraudes para esvaziar seus bens”, diz o texto. Medidas de proteção ao crédito público, como a presunção de fraude à execução só são ativadas após a inscrição, tornando a recuperação do crédito mais difícil quando ele chega à advocacia pública, segundo a nota.

A dívida refere-se apenas ao IBS, o que ainda leva a um descasamento em relação a como vai funcionar a CBS, segundo a presidente do Conap, que destaca a impossibilidade de a autoridade que lança o crédito realizar a inscrição em dívida ativa. O prazo de até 12 meses também fica muito afastado da previsão recomendada pela OCDE, de 90 dias. “Os estudos mostram que quanto antes começa a cobrança maior o índice de recuperabilidade daquele crédito”, afirma ela.

As questões apontadas nas notas técnicas são consideradas já avaliadas por técnicos que acompanham a tramitação da reforma no Senado. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou na quarta-feira o projeto que regulamenta a reforma tributária. O relator apresentou um substitutivo (texto alternativo) ao projeto recebido da Câmara dos Deputados. A matéria vai a Plenário em regime de urgência.

Em nota ao Valor, a assessoria técnica do senador explica que o Fórum de Harmonização Jurídica das Procuradorias terá competência para atuar como órgão consultivo do Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias nas atividades de uniformização e interpretação das normas comuns relativas ao IBS e à CBS e analisar relevantes e disseminadas controvérsias jurídicas relativas aos tributos.

Ainda segundo a área técnica, as resoluções do Fórum irão vincular a PGFN e as Procuradorias dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios. Portanto, acrescenta, sua competência para harmonizar a atuação das procuradorias está garantida inclusive para fins de dispensa de atuação perante o Judiciário. “O que foi alterado foi a oitava obrigatória do órgão antes das deliberações do Chat, que continua podendo acontecer, só não será obrigatória, porque o Chat exerce competência de caráter normativo”.

Sobre a questão dos 12 meses para inscrição em dívida ativa, a assessoria técnica informa que o texto já veio da Câmara dos Deputados com esse prazo. “Embora seja um prazo bem mais alongado do que o aplicável no âmbito da União, ele reflete a realidade operacionalmente possível de diversos entes subnacionais, especialmente municípios menores.” Hoje, segundo a nota, muitos desses municípios praticam atualmente prazos bem maiores do que 12 meses.