PEC muda precatórios e dá vantagem a Estados e cidades
Enviado Quarta, 20 de Agosto de 2025.Aprovação da PEC levará a mais questionamentos no Supremo, pelo desequilíbrio a favor dos credores ante contribuintes
Falta apenas a votação em segundo turno no Senado para que seja aprovada a PEC 66/2023, que muda completamente o pagamento dos precatórios, a favor dos devedores: União, Estados e municípios. No caso da União, o projeto torna mais fácil atingir a meta fiscal primária, pois dela retira, em 2027, 90% do total dos débitos com esses títulos. Estados e municípios serão contemplados com uma proporção fixa da receita líquida destinada aos pagamentos, que serão de menor monta que os atualmente feitos e terão um outro indexador, não mais a taxa Selic. Estados e municípios ganham também o direito de parcelar, em 30 anos (360 meses), débitos previdenciários incorridos até 31 de agosto. O expediente do Executivo e do Legislativo confirma a máxima de que a dívida não existe para ser paga, mas refinanciada para sempre.
A PEC 66 pode ser votada a qualquer momento. Uma confluência de interesses, todos atendidos pelo projeto, fez com que a mudança constitucional, que exige dois terços dos votos das duas Casas, em duas votações, fosse facilmente aprovada. No caso do Executivo, o prazo dado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para que os precatórios fossem incluídos na meta fiscal primária selaria em 2027 o fim do regime fiscal, que não produziu superávit até hoje - nem o fará no ano que vem ao poder usar a margem de tolerância existente. A incorporação dos precatórios ao resultado fiscal, bomba com data marcada para estourar, foi desarmada de uma forma que torna mais fácil chegar à meta.
Pela PEC, apenas 10% do montante anual a ser pago dessas dívidas serão incorporados progressivamente ao resultado fiscal a cada ano. Pelo esquema vigente, em 2026, R$ 55 bilhões dos R$ 115 bilhões previstos - ou 47% - serão desconsiderados para a meta. Com a mudança, 2027 terá enorme alívio. Se, por exemplo, a soma de precatórios e requisições de pequeno valor for igual à de 2026, R$ 103,5 bilhões ficarão fora da meta, R$ 48,5 bilhões a mais. O afrouxamento permitido no início será muito maior até que a margem de tolerância para o cumprimento da meta fiscal, de 0,25% do PIB (R$ 31 bilhões).
O governo Lula regularizou o pagamento dos precatórios e obteve uma transição concedida pelo STF para sua incorporação plena ao regime fiscal. Os credores de Estados e municípios, porém, não terão a mesma sorte, com a aprovação da PEC. O projeto foi feito à perfeição para dar o que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (UB-AP), chama de “auto suficiência do pagamento das dívidas dos Estados e municípios”. Como não há auto suficiência de recursos, os entes federativos puderam determinar quanto estão dispostos a pagar por uma dívida transitada em julgado, de recebimento que deveria ser líquido, certo e tempestivo.
Estados e municípios tinham até 2029 para arrumar a casa em relação às dívidas com precatórios. No arranjo, os credores - empresas e contribuintes - terão provavelmente de esperar muito mais, para receber possivelmente menos. A PEC limitou até mesmo o pagamento de quem está sem estoque de dívidas, e poderá usar só 1% da receita corrente líquida (RCL) para precatórios. A prefeitura do Rio tem gastado 2,8% da receita para essas despesas e poderá utilizar 1% apenas. Quem tem dívida acumulada de 15% a 30% da receita corrente líquida pagará 1,5% da RCL, numa gradação que atinge 5% para quem tem débitos acumulados de 85% da receita líquida.
A desembolsos menores corresponderão mais dívidas em atraso. Um estudo do BTG Pactual calculou que, se a regra já estivesse valendo, Estados e municípios gastariam R$ 12,9 bilhões a menos que em 2024. Haveria queda de 42%, com quitação de R$ 17,8 bilhões e não os R$ 30,7 bilhões feitos (Valor, 14-8). Com isso, o estoque de precatórios em atraso em dez anos atingiria R$ 880 bilhões. Pelo estudo, as dívidas em atraso com precatório no fim de 2024 era de R$ 110,4 bilhões sob responsabilidade dos Estados e R$ 82,9 bilhões, dos municípios.
A PEC 66 modifica o indexador dessa dívida, a Selic, e coloca em seu lugar o IPCA mais 2% de juros. Foi também mudada a data para inclusão do pagamento no exercício fiscal. Vale hoje o dia 20 de abril, limite para que a Justiça apresente os montantes transitados em julgado para quitação até o fim do ano seguinte. Pela PEC passa a valer 1 de fevereiro, perto do fim das férias forenses. Precatórios notificados após essa data esperarão até o segundo exercício seguinte.
O efeito conjunto das mudanças pode ser sentido no mercado secundário desses títulos. Um precatório do governo de São Paulo, por exemplo, teve deságio maior e passou a ser negociado a 25% do valor de face com a iminência da aprovação da PEC, contra 45% antes.
O pagamento dos precatórios deveria ser, tanto quanto possível, uma rotina administrativa. O STF enquadrou a União e Estados para impedir que esses débitos sejam sempre postergados indefinidamente em detrimento de gastos com outras prioridades, ou mesmo sem prioridades. A aprovação da PEC levará a mais questionamentos no Supremo, pelo desequilíbrio a favor dos credores ante contribuintes que foram vitoriosos em longos processos, nos quais não cabem mais recursos. É uma questão de Justiça.
Fonte: Valor Econômico