Guerra tarifária torna ainda mais desafiador o ajuste fiscal no Brasil, diz diretor executivo do FMI

Enviado Segunda, 19 de Maio de 2025.

É preciso melhorar a qualidade do gasto público e enfrentar distorções como a incompatibilidade entre o crescimento do salário mínimo e os gastos com Previdência, afirma André Roncaglia

O acordo entre os Estados Unidos e a China não deve ser duradouro e tem potencial de gerar ainda um cenário de volatilidade nos mercados e, assim, tornar mais desafiador o trabalho da área econômica no Brasil. Essa é a percepção do diretor executivo para o Brasil no Fundo Monetário Internacional (FMI), André Roncaglia.

Com exclusividade ao Estadão/Broadcast, Roncaglia afirma que, caso o cenário de guerra tarifária se consolide, o ajuste fiscal liderado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se torna ainda mais desafiador, especialmente com as taxas de juros ainda elevadas.

“O foco atual é melhorar a qualidade do gasto público, reduzir despesas que crescem aceleradamente e enfrentar distorções como a incompatibilidade entre o crescimento do salário mínimo e os gastos com Previdência, o que é politicamente sensível, mas fiscalmente relevante”, afirma.

O economista e professor, no cargo desde agosto, acompanhou de perto, em Washington, o processo eleitoral americano e a volta ao poder de Donald Trump.

Na visão do economista, a atual administração dos EUA usa da própria incerteza como ferramenta, deixando de lado uma relação comercial previsível e confiável com outros países.

“O governo dos EUA está redefinindo as regras do jogo comercial e usando tarifas como instrumento de negociação. É uma forma de iniciar barganhas a partir de uma posição de força”, diz. “Essa lógica deve prevalecer, porque os acordos são sempre temporários — como o que vimos na segunda-feira, de apenas 90 dias”, acrescenta.

Para Roncaglia, Trump usa das próprias reações do mercado e da sociedade como termômetro para suas políticas e não se importa com o vaivém em suas atitudes.

“Se essas pressões crescerem a ponto de constranger o governo Trump, especialmente em temas sensíveis como a independência do Banco Central, que tem grande apoio institucional, ele tende a recuar”, afirma. “Os mercados reagem positivamente, Trump avança; os mercados caem, ele recua.”

Na visão do diretor, é diante desse desafio que a economia global se localiza. Para ele, é possível que haja um aprofundamento do desarranjo nas cadeias globais de valor até que se estabeleçam novos equilíbrios e rotas comerciais, já que a produção está fragmentada entre vários países. “Esse processo ainda deve levar algum tempo até se acomodar”, afirma.

A despeito das incertezas, diz, o Brasil tem boas ferramentas para encarar os mares revoltos da geopolítica. Roncaglia ressalta que o FMI enxerga o País como uma economia sólida, com avanços na consolidação fiscal e um grau de resiliência maior do que muitos imaginam.

“Eu vou falar algo que talvez choque a você, choque os leitores, quem for ter acesso ao que eu estou falando. O Brasil é uma das últimas preocupações do FMI no sentido de efeitos, de impactos”, destaca o diretor.

Ele ressalta que o grau de exposição da economia brasileira ao comércio internacional é relativamente limitado, o que protege o País parcialmente em momentos de turbulência.

“O que eu acho que em geral preocupa, mas isso ocorre em qualquer país, é que haja concentração em parceiros comerciais que tenham a sua atividade econômica muito determinada pela dinâmica do comércio internacional, que é o caso da China”, diz.

É necessário observar, contudo, a questão da volatilidade cambial, que pode afetar a inflação e exigir respostas do Banco Central, com efeitos indiretos sobre o crescimento.

O impacto previsto no Brasil, em um primeiro momento, seria uma desaceleração do crescimento de 2,2% para 2% — uma previsão do staff do FMI, e Roncaglia pondera que não responde pelos números.

Fonte: Estadão