Reforma tributária leva empresas a renegociar contratos
Enviado Terça, 29 de Abril de 2025.Clientes, segundo advogados, precisam calcular se terão redução ou aumento de custos
As empresas passaram a procurar assessoramento jurídico para a renegociação de contratos em decorrência da reforma tributária do consumo. Passada a fase de dúvidas sobre as mudanças no sistema fiscal brasileiro, agora a demanda, segundo especialistas ouvidos pelo Valor, é por informações sobre formação de preços e a possibilidade de alterações contratuais.
Depois de entenderem as novas alíquotas dos novos tributos, o novo sistema de creditamento e o impacto com o fim de benefícios fiscais, as empresas, afirmam advogados, precisarão calcular se terão aumento ou redução de custos para, então, negociar o reequilíbrio de seus contratos com fornecedores e ajustar os preços praticados no mercado.
“A rigor, todo contrato que tem efeito a partir de 2027 já deveria estar considerando os efeitos da reforma. É importante as empresas começarem a entender todos os efeitos da reforma e incorporar isso tanto nos seus contratos de aquisição como nos seus contratos de venda e tentar ajustá-los assim que for possível”, diz Bernard Appy, secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda. “No caso dos contratos da administração pública, sobretudo naqueles regulados, quem vai definir a forma de ajuste são as agências reguladoras.”
A reforma tributária sobre consumo terá um período de testes no próximo ano, com exigência de obrigações acessórias. A partir de 2027, começa a entrar gradualmente em vigor.
Primeiro, será cobrada a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) em substituição a tributos federais e criado o Imposto Seletivo. A partir de 2029, o ICMS e o ISS passam a ser substituídos gradualmente pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). O período de transição acaba em 2033, quando o novo modelo funcionará integralmente.
“Resetou o sistema. Mudou tudo. Então, um novo equilíbrio de forças vai ser desenhado. A tendência é de mudança de precificação. Nos contratos públicos, a reforma prevê expressamente [a possibilidade de reequilíbrio econômico-financeiro]”, afirma Luca Salvoni, sócio do Cascione Advogados. O escritório já falou com mais de cem empresas sobre o tema e está fazendo cerca de dez análises para renegociações.
Essa reforma afeta muito mais do que o setor fiscal das empresas, segundo Elisa Henriques, sócia do Velloza Advogados. “É uma reforma da forma de fazer negócios”, diz. Um dos clientes que consultou o escritório, uma empresa de meio de pagamentos, tem em seus contratos uma cláusula com o tempo de operação da máquina (milésimos de segundos) e agora se preocupa com a necessidade de ter que revisar esse compromisso a depender de como vai funcionar o sistema de “split payment” - sistema para repasse automático do valor do tributo ao Fisco.
O escritório também já está trabalhando com cinco clientes sobre a possibilidade de renegociação de contratos em decorrência da reforma tributária: uma seguradora, duas instituições financeiras e duas entidades do setor imobiliário. “Antes não era possível distinguir o custo do serviço ou mercadoria do tributário, agora fica mais evidente”, afirma Elisa.
Lucilene Prado, advogada especializada em direito tributário e sócia do FM/Derraik Advogados, frisa que é importante que as empresas olhem para toda a cadeia de custos ao avaliar os impactos da reforma. “Todas essas mazelas desse sistema velho, que encarecem os preços da economia, porque é tributo sobre tributo escondido dentro dos preços, acabarão. Só que isso não termina com um passe de mágica. Para que eu consiga ter os benefícios reais desse novo sistema, eu tenho uma lição de casa grande para fazer agora”, diz.
Ela conta que algumas empresas já saíram na frente e estão estudando os efeitos da reforma sobre seus custos desde 2023 e 2024. “Outras sequer sabem que precisa colocar isso na agenda. A renegociação de contratos é fundamental, porque se eu faço isso bem, eu vou acertar no meu novo preço de venda. Eu fazendo isso bem-feito agora para o PIS/Cofins, que são os primeiros tributos que vão mudar para a CBS, eu já tenho um modelo pronto para fazer depois com o ISS e com o ICMS”, afirma a advogada.
Renata Correia Cubas, sócia do Mattos Filho, também relata que antes mesmo de a reforma estar aprovada, os clientes já se preocupavam em endereçar pontos do novo sistema tributário nos contratos que estavam fechando. “O preço [de produtos ou serviços] é um dos componentes, mas vai além. O contrato tem vários componentes financeiros, tem a formação de preço, descontos, e muitas vezes até considera benefícios fiscais que estarão findos no futuro”, explica.
Appy afirma que é fundamental que as empresas considerem nas renegociações o efeito do creditamento, que passará a ser amplo. “Muitos insumos, muitas aquisições das empresas que hoje não geram crédito, vão passar a gerar crédito. Cada empresa tem que avaliar qual vai ser esse impacto do creditamento. Muitas vezes, haverá situações com redução de custos junto com aumento de custos. Tudo isso tem que ser considerado pelas empresas na hora de definir sua estratégia”, diz o secretário do Ministério da Fazenda.
A análise a ser feita pelas empresas não é com base na alíquota nominal, mas em como ficará a carga tributária dela considerados os créditos, destaca Luca Salvoni, sócio do Cascione Advogados. “É alíquota efetiva contra alíquota efetiva, que é a nominal mais o novo arcabouço de créditos”, afirma. Além disso, a empresa precisa entender qual é sua localização na cadeia e se ela consegue repassar eventual ônus ou se será cobrada por eventual redução no tributo a ser pago.
Segundo Salvoni, primeiro o cliente deverá fazer a análise da situação dele para saber se ganhou ou perdeu com a reforma, em termos de alíquota. Depois vê se seus contratos são de curto ou longo prazo porque, diz o advogado, o de curto prazo acaba sendo mais regido pela equação de oferta e demanda e no de longo prazo poderá haver gatilhos de reajuste. “A reforma hoje está meio tomada pela questão do software [adaptação tecnológica a novos tributos], que é só a ponta do iceberg”, afirma Rafael Vega, sócio do mesmo escritório.
Priscila Faricelli, sócia do Demarest Advogados, lembra que a discussão da “tese do século” (a exclusão do ICMS da base do PIS e da Cofins) gerou tantos problemas entre empresas sobre o repasse dos ganhos que elas ficaram mais atentas a esse tipo de custo e sobre a necessidade de previsões em contrato.
Além das renegociações, a advogada cita que algumas companhias buscam reorganizações societárias para aproveitar melhor os créditos. Ou refazem cálculos sobre comprar ou alugar imóveis, ou mesmo construir, tendo em vista os novos custos e o sistema de creditamento.
Uma das situações a ser observada, afirma Elisa Henriques, do Velloza Advogados, envolve os não contribuintes do IBS e da CBS, que não gerarão créditos. É o caso de fornecedores pessoas físicas ou de empresas do Simples Nacional que não migrarem de regime. “É preciso deixar claro para relações contratuais continuadas que, no meio do caminho, vou ter mudança no custo do tributo e repassar via preço do serviço ou mercadoria.”
No caso das empresas com contratos com o setor público, a primeira lei que regulamentou a reforma tributária do consumo (Lei nº 214, de 2025) prevê expressamente a possibilidade de renegociação de contratos vigentes da administração pública, inclusive concessões, para assegurar o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro com a mudança para a CBS e o IBS.
A renegociação é prevista para os casos em que o desequilíbrio for comprovado. Nesse caso, o reequilíbrio será implementado, preferencialmente, por meio de alteração na remuneração do contrato ou de ajuste tarifário.
Appy explica que, no caso dos setores regulados, caberá a cada agência reguladora estabelecer as regras de cálculo para saber se haverá desequilíbrio financeiro ou não nos contratos e como o reequilíbrio será implementado. No caso das compras governamentais e nos contratos diretos com fornecedores, acrescenta, cada esfera de governo (União, Estados e municípios) terá que avaliar individualmente seus contratos para ver se será necessário reequilibrá-los.
Fonte: Jornal Valor Econômico