Brics reforça defesa do multilateralismo

Enviado Terça, 29 de Abril de 2025.

Brasil ainda negocia três pontos relacionados ao tema para declaração conjunta do grupo

Os países do Brics vão se opor às medidas protecionistas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que iniciou uma guerra tarifária contra a China, por meio de uma defesa enfática do sistema multilateral de comércio e da reforma de organizações internacionais.

O tarifaço de Trump esteve no centro das discussões da reunião de ministros de Relações Exteriores do grupo, que começou nesta segunda-feira (28) no Palácio do Itamaraty, no centro do Rio. A divulgação de uma declaração conjunta dos chanceleres dos 11 países-membros estava prevista para esta segunda, mas não ocorreu porque a diplomacia brasileira ainda negocia ao menos três pontos relacionados ao multilateralismo, apurou o Valor.

Segundo o governo brasileiro, o documento será finalizado e publicado nesta terça-feira (29). O texto servirá de base para a declaração do encontro de chefes de Estado do Brics, marcado para os dias 6 e 7 de julho, também no Rio.

Não está claro, por exemplo, se o documento final da reunião dos chanceleres trará uma menção direta aos recentes atos de Trump sobre o comércio com os Estados Unidos. Como presidente temporário dos Brics, o Brasil tem a preocupação de que o bloco não seja visto como uma força antiocidente nem antagônica ao governo americano. A Rússia, por sua vez, quer evitar “macular” a aproximação recente com Trump, segundo pessoas a par das discussões.

Este é o primeiro encontro dos ministros de Relações Exteriores em agenda formal após a expansão do grupo. Criado em 2009, o Brics reúne originalmente Brasil, China, Rússia e Índia. A África do Sul foi admitida dois anos depois. Recentemente, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã também se tornaram membros permanentes.

Na abertura da reunião, o chanceler brasileiro, Mauro Vieira, criticou o unilateralismo e defendeu a importância da cooperação internacional. A fala de menos de dez minutos, no entanto, foi focada principalmente em temas geopolíticos, sem referência direta à guerra comercial entre EUA e China nem a Trump ou à OMC.

“Enfrentamos crises globais e regionais convergentes, com emergências humanitárias, conflitos armados, instabilidade política e a erosão do multilateralismo”, declarou.

No discurso, Vieira criticou os mecanismos internacionais por permanecerem “lentos, politizados e paralisados” diante de necessidades urgentes como os conflitos mundiais, mas defendeu o Brics como uma força de cooperação, e não de confronto. “O Brics pode e deve ser uma força para o bem, não como bloco de confronto, mas como força de cooperação. O papel do Brics é mais vital do que nunca”, afirmou.

O ministro disse, ainda, que o Brics reconhece os interesses de cada país-membro, inclusive do ponto de vista econômico, e que isso é parte de uma “contribuição para distribuição justa de poder” nos temas globais.

Um ponto que travou o entendimento entre os países foi a linguagem sobre a reforma do Conselho de Segurança da ONU, pauta histórica do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), também defendida pelo Brasil na presidência do G20, no ano passado. Apesar de a ideia ser bem-recebida por todos os países, o alcance da proposta enfrenta resistências entre algumas nações do grupo.

Os esforços para a reforma do colegiado são liderados pelo Brasil ao lado de Alemanha, Japão e Índia. A China, porém, é resistente à inclusão da Índia no conselho, com quem disputa o poderio econômico e militar na Ásia. Na África, também haveria oposição à uma eventual participação da África do Sul por parte de Egito e Etiópia, países admitidos recentemente no Brics.

Internamente, há no Itamaraty uma leitura de que, ao se expandir, o Brics acabou importando disputas regionais. Vieira, por outro lado, destacou que o grupo se fortaleceu com a participação de 11 países: “Com 11 Estados-membros representando quase metade da humanidade e uma ampla diversidade geográfica e cultural, o Brics está em uma posição única para promover a paz e a estabilidade baseadas no diálogo, no desenvolvimento e na cooperação multilateral.”

Depois do encontro, o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), ofereceu um jantar para os chanceleres no Palácio da Cidade, sede da prefeitura. No cardápio, além de canapés, massas e sucos de frutas brasileiras, foram servidos carnes halal, cuja produção segue as regras e valores do islamismo.

Nesta terça-feira, os chanceleres voltam a se reunir pela manhã para discutir o papel do Sul Global no reforço do multilateralismo. Além dos países permanentes, irão participar os ministros de Relações Exteriores dos nove governos parceiros do bloco: Belarus, Bolívia, Cuba, Cazaquistão, Malásia, Nigéria, Tailândia, Uganda e Uzbequistão.

Fonte: Valor Econômico