Deputados apresentam proposta para evitar que recursos dos royalties saiam do Fundo de Previdência para o Tesouro estadual

Enviado Quarta, 25 de Setembro de 2024.

Projeto foi apresentado nesta terça-feira e visa a suspender os efeitos de dois decretos do Governo do Estado, publicados na semana passada, que autorizam a transferência de bilhões de reais que seriam destinados ao RioPrevidência

Os deputados estaduais Luiz Paulo (PSD) e Martha Rocha (PDT) apresentaram, na tarde de terça-feira, projeto de Decreto Legislativo que prevê a suspensão dos efeitos de dois decretos do Governo do Estado — 49.291 e 49.292, ambos na semana passada — que transferem receita de royalties e participação especial do Fundo Único de Previdência Social do Estado do Rio de Janeiro (RioPrevidência) para o Tesouro Estadual. Em 2024, o RioPrevidência — responsável pelo pagamento de aposentadorias, pensões e outros benefícios do funcionalismo fluminense — recebeu R$ 15,3 bilhões dessas fontes e são esperados mais cerca de R$ 5 bilhões até o fim deste ano. Para o ano que vem, a estimativa é de que as transferências cheguem a R$ 20 bilhões.

Na prática, os decretos do governo permitem que esses recursos sejam usados, entre outras, para quitar parcelas da dívida pública do governo do Rio com a União até o limite de R$4,9 bilhões. Na justificativa do projeto que pretende suspender os efeitos dos decretos, os parlamentares alegam, por exemplo, que o Decreto nº 49.291 pode “comprometer o equilíbrio financeiro, econômico e atuarial do Regime Próprio de Previdência Social” e que o Decreto nº 49.292/2024 “ao autorizar o uso de recursos vinculados para outras finalidades que não sejam a cobertura das despesas previdenciárias, tende a comprometer a saúde financeira do Tesouro Estadual, gerando desequilíbrio fiscal, além de configurar infração aos princípios da responsabilidade na gestão fiscal e da transparência na execução orçamentária”.

— A sustação dos Decretos é uma medida essencial para garantir o equilíbrio financeiro e proteger os direitos dos servidores públicos. A preservação do Regime Próprio de Previdência Social é um dever irrenunciável do Estado. Em apenas 24 horas, o governo do estado emitiu dois decretos. Essa manobra contábil é deletéria e ilegal, podendo prejudicar ao Fundo Único do RioPrevidência, afetando diretamente o pagamento dos aposentados e pensionistas que dependem desses recursos — disse o deputado Luiz Paulo.

A deputada Martha Rocha frisou a necessidade de que os recursos destinados à previdência sejam utilizados de forma adequada.

— O Decreto Legislativo que apresentamos é fundamental para evitar que o governo do estado cometa uma ilegalidade sem precedentes, uma violência contra os servidores inativos. Queremos garantir o cumprimento dos princípios constitucionais da previdência social. As medidas do governador podem comprometer a aposentadoria de milhares de servidores e pensionistas no curto prazo, colocando em risco o equilíbrio atuarial do fundo — argumentou a deputada estadual Martha Rocha.

Procurado, o governo do estado informou, por meio de nota, que "reitera que o decreto busca aumentar a transparência e a segurança jurídica na gestão dos recursos de Royalties e Participação Especial do petróleo, dando maior segurança financeira ao Rioprevidência. E, com isso, garantir também maior segurança no pagamento de aposentados e pensionistas".

Especialistas questionam a legalidade de um decreto estadual modificar o destino de recursos cuja utilização já é determinada por lei. Isso levanta a questão central: um decreto pode alterar uma lei?

Um dos princípios fundamentais do Direito é a hierarquia normativa. Nesse contexto, as leis ocupam um patamar superior aos decretos, sendo elaboradas e aprovadas pelo Poder Legislativo. Já os decretos são atos administrativos emitidos pelo Poder Executivo com o objetivo de regulamentar a aplicação dessas leis.

A advogada especialista em Direito Público, Luciana Gouvêa, explica a diferença: "um decreto estadual não pode, em hipótese alguma, modificar uma lei estadual, pois a elaboração e alteração de leis são atribuições exclusivas do Poder Legislativo. O decreto é uma ferramenta do Executivo para regulamentar e detalhar a execução da lei, mas não pode contrariá-la".

A Lei nº 3.189, de 1999, que criou o Rioprevidência, estipula que uma parte dos royalties do petróleo seja destinada ao fundo para garantir o pagamento das aposentadorias e pensões dos servidores do estado. Além disso, a Constituição Estadual reforça essa determinação, estabelecendo que os royalties devem servir para capitalizar o fundo. Na prática, a mudança pode comprometer o futuro financeiro do Rioprevidência. Luciana Gouvêa explica:

– Embora a lei federal permita o uso dos royalties para pagar dívidas, a legislação estadual é clara ao garantir a prioridade desses recursos ao Rioprevidência. Um decreto estadual não pode sobrepor uma lei estadual, muito menos contrariar a Constituição Estadual, que reforça essa vinculação

O deputado estadual Flavio Serafini (PSOL) protocolou, na sexta-feira, na Vara de Fazenda Pública, uma ação popular pedindo a suspensão do ato do governador. Serafini também protocolou no Ministério Público representação solicitando providências.

— A retirada dos royalties e participações especiais do RioPrevidência ameaça o direito à aposentadoria dos servidores do estado e agrava a crise fiscal. Pezão (ex-governador Luiz Fernando Pezão) fez um movimento semelhante em 2014, antes da grave crise que o Rio de Janeiro viveu. E, naquele período, os primeiros a ficar sem receber foram aposentados e pensionistas no estado. A medida do governador é ilegal, pois, por decreto, contraria o que está previsto. Em duas leis complementares em vigor no estado. Estou acionando a justiça e o Ministério Público e não mediremos esforços para impedir que o governador consiga concretizar essa ação, que é um ataque aos servidores aposentados e pensionistas — disse Serafini, que, em 2019, instaurou na Alerj a CPI do RioPrevidência, para apurar desvios de recursos da autarquia.

Nota da Secretaria estadual de Fazenda

"A Secretaria de Estado de Fazenda informa que os decretos têm o objetivo de aumentar a transparência e a segurança jurídica na gestão dos recursos de Royalties e Participação Especial do petróleo, dando maior segurança financeira ao RioPrevidência".

"Com as publicações, fica ainda mais clara a impossibilidade de impacto no pagamento dos benefícios de aposentados e pensionistas, ao indicar a obrigação do Tesouro Estadual de suprir qualquer deficiência financeira no caixa do RioPrevidência. Esse ponto é mais um mérito do decreto publicado: aumentar a segurança e o compromisso com os aposentados e pensionistas".

"Os recursos dos royalties e participações especiais já eram normalmente depositados na conta do Tesouro estadual. O que ocorria era a transferência automática desses recursos pelo Tesouro para o RioPrevidência, após o pagamento de compromissos e transferências obrigatórias. O decreto também prevê a possibilidade, já garantida por lei federal, de uso dos recursos para o pagamento da dívida com a União".

 

Fonte: O Globo