Sem reformas estruturais, arcabouço fiscal não chega a 2027 e país precisará de novo ajuste fiscal, diz Mansueto Almeida

Enviado Sexta, 06 de Setembro de 2024.

Ex-secretário do Tesouro e economista do BTG alerta que nova regra para auxílio-gás ‘machucou’ credibilidade

Uma semana depois de o governo Lula apresentar o Orçamento de 2025, o economista-chefe do BTG Pactual e ex-secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, alerta que sem reformas estruturais nas despesas públicas, o arcabouço fiscal não chegará a 2027. A regra de controle das contas públicas está no seu primeiro ano de vigência, mas está sendo questionada por conta da explosão dos gastos obrigatórios — que comprimem outras despesas, como investimentos.

Mansueto, um dos principais especialistas em contas públicas do país, considera incertas tanto as estimativas do lado da receita quanto a economia com o pente-fino no Orçamento de 2025 e acredita que será necessário avançar em medidas para endurecer a regra de concessão de alguns benefícios, como o seguro-desemprego.

— O arcabouço da forma que está, com as regras do orçamento de indexação e vinculação, não se sustenta na virada do governo, o que vai ser um enorme problema — afirmou.

Para ele, mesmo que o Ministério da Fazenda corrija o projeto de lei que altera o auxílio-gás, a credibilidade fiscal do governo não sai ilesa do episódio. O projeto permite pagar o auxílio fora do orçamento, num drible ao arcabouço fiscal.

O Mansueto afirma que a mensagem que ficou para os agentes financeiros é que o governo começou a adotar medidas para “fugir” do limite de despesas do arcabouço fiscal diante do orçamento apertado.

Leia entrevista:

O governo apresentou o projeto de lei orçamentária de 2025 (PLOA) e “dobrou” a aposta no aumento de arrecadação, mesmo com os sinais de esgotamento da estratégia e com a frustração em parte das medidas de 2024. Ainda dá para acreditar no cumprimento da meta do ano que vem?

Ainda dá para acreditar. Agora, se a receita não acontecer, o governo tem um mecanismo que todos os governos do Brasil sempre usaram que é bloquear e contingenciar uma parte do orçamento nos primeiros meses do ano. Neste ano, o governo demorou muito. No próximo ano, continuam as mesmas dúvidas em relação ao orçamento e à arrecadação que tínhamos no início deste ano.

Do lado das despesas, o ajuste é muito menor e focado no combate a irregularidades, com economia prevista de R$ 25,9 bilhões. É crível?

É muito incerto quanto o governo vai conseguir diminuir despesas combatendo irregularidades. Teoricamente, no dia a dia de qualquer ministério, já há esforço de combate de irregularidades. O que deve acontecer é que o governo vai eventualmente mudar algumas regras para tornar mais difícil a concessão de alguns desses benefícios.

Por exemplo, no Brasil, o gasto com seguro-desemprego aumenta quando o mercado de trabalho está bom, enquanto, no mundo todo, é ao contrário. Fora isso, o número de concessões de auxílio-doença aumentou 42% de janeiro a junho em relação ao ano passado. Por que, de repente, as pessoas do Brasil começaram a ficar doentes? Claramente isso não aconteceu. Então teve alguma mudança, com o Atestmed, com a execução do programa, que levou a um crescimento muito forte.

Mas, por enquanto, ainda não tem nenhum sinal de revisões nas regras.

Não. Por isso, há uma incerteza em relação ao curtíssimo prazo, que é o próximo ano, se o governo vai conseguir ou não cumprir a meta de primário e o limite de despesas. Mas também há uma incerteza olhando o médio prazo. Porque o arcabouço da forma que está, com as regras do orçamento de indexação e vinculação, não se sustenta na virada do governo, o que vai ser um enorme problema.

O que isso significa?

Significa o seguinte: ou a gente faz reformas importantes até o final deste governo, até 2026, ou, no início do próximo governo, vamos discutir um novo ajuste fiscal completamente diferente e mais duro.

O senhor acredita que o arcabouço fiscal para de pé até 2026?

Se o governo cumprir as metas prometidas e o limite de gastos, o arcabouço se mantém de pé até 2026, mas o governo precisará cortar despesas em 2025 e 2026. Possivelmente, terá que cortar investimentos em 2026, que já está em nível baixo. Não vamos ter o ajuste fiscal definitivo, porque depende de mudanças tanto nas regras de indexação quanto de vinculação, mas pelo menos vai até 2026. Agora, o que não pode acontecer é o governo começar a tirar despesa do orçamento, como foi esse programa do vale gás. O governo já fez um pouco disso no ano passado, quando ele instituiu aquele programa Pé de Meia.

É um furo no arcabouço?

No vale-gás, o governo está abrindo mão de R$ 15 bilhões e está colocando as despesas fora do orçamento para não cumprir o próprio teto de gastos que definiu. A sinalização foi a pior possível na semana em que o governo ia enviar o Orçamento para o Congresso. Todo o esforço do governo em mostrar credibilidade do arcabouço fiscal e a entrevista transparente que foi feita pelos secretários na coletiva de imprensa ficaram meio apagados.

O que ficou foi o seguinte: o governo, na dificuldade de encontrar espaço orçamentário, começou a adotar medidas para fugir do teto. Isso é muito ruim, isso machuca muito a credibilidade da política fiscal.

A Fazenda disse que vai conversar com a Casa Civil para manter todo o auxílio-gás dentro do orçamento. Ajuda?

Foi muito boa a declaração do secretário-executivo da Fazenda, Dario Durigan, na entrevista coletiva do orçamento. E foi também muito positiva a sinalização do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de que todo esse programa terá que ficar dentro do orçamento. Mas isso já fez um preço, isso já machucou bastante a credibilidade que o governo está se esforçando tanto para conquistar desde julho, quando teve o primeiro bloqueio e contingenciamento do Orçamento.

A nova surpresa do PIB foi comemorada pelo governo, mas aumenta o risco de alta de juros pelo BC. Qual o impacto?

O PIB mais alto ajuda a dívida, porque dilui a dívida. Tem uma notícia boa que, no pós-pandemia, o Brasil está com o PIB com um crescimento mais rápido. Isso tem ajudado no controle fiscal. A trajetória da dívida hoje é melhor do que se esperava no início desse governo, embora a dívida vá crescer nos quatro anos de 10 a 12 pontos do PIB e chegar a 82% ou 84%. Mas possivelmente a gente vai ter um aumento de juros. A inflação esperada está acima da meta em uma economia aquecida.

O que precisa ser feito?

O que é necessário é a política fiscal e a política monetária andarem juntas. A gente tem que ter confiança que o BC vai fazer o que for necessário para levar a inflação para meta e que o governo vai cumprir as regras fiscais e não vai fazer propostas como foi essa do vale gás na semana passada.

É muito importante ficar cada vez mais clara a questão da responsabilidade fiscal, senão a gente corre o risco de ter os próximos dois anos de juro maior e crescimento menor em relação aos dois primeiros anos de governo. O governo vai ter que mostrar muito mais clareza da agenda fiscal. E é o governo como um todo, não só a área econômica. A área econômica tenta, mas tem que ter o apoio político.

O senhor avalia que o governo está correto em dizer que ele tem que recuperar a base tributária, mas só isso basta?

O Ministério da Fazenda fala que só está tentando recompor a receita que o governo tinha no passado, de 19% do PIB. Só que 19% do PIB no segundo governo Lula, de 2007 e 2010, trazia superávit primário de 2% do PIB, porque a despesa do governo federal era 17% do PIB. Hoje a despesa do governo federal projetada está acima de 19% do PIB.

Isso significa que hoje a mesma carga tributária da época do boom de commodities, de 19% do PIB para o governo federal, não nos dá mais superávit primário. E vai continuar assim para os próximos dois anos. Daqui para frente, não tem mágica, ou a gente faz alguma coisa mais radical para controlar o crescimento da despesa obrigatória ou a gente vai ter que ir para um nível de carga tributária que a gente nunca teve na história do Brasil.

Fonte: O Globo