Reforma tributária é importante para facilitar aceitação do Brasil na OCDE

Enviado Terça, 27 de Agosto de 2024.

Países da América do Sul, próximos do Brasil, como Chile e Colômbia, realizaram reformas tributárias como parte de seus esforços para a adesão à organização

A aprovação do texto da reforma tributária é avaliada como um passaporte para o Brasil integrar a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Países da América do Sul, próximos do Brasil, como Chile e Colômbia, realizaram reformas tributárias como parte de seus esforços para a adesão à OCDE. Bem-sucedida, a reforma tributária na Colômbia ocorreu em 2019 e o país tornou-se membro da OCDE em 2020.

“Em geral, países tem um movimento de harmonização da sua legislação com padrões orientados pela OCDE”, explica o sócio do KLA Advogados e ex-conselheiro titular do Carf, Luís Flávio Neto, também diretor e coordenador do mestrado profissional em Tributação Internacional do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).

Luís Flávio Neto explica que muitas reformas estão acontecendo ao redor do mundo. No entanto, a reforma no Brasil é uma das mais emblemáticas por conta da quantidade de impostos federais, estaduais e municipais, cada um com suas próprias regras, bases de cálculo e alíquotas. São impostos indiretos sobre o consumo, como o ICMS, um dos mais complexos do país.

Como cada nível (União, Estados e municípios) tem sua própria receita com impostos, muitas vezes, há disputa sobre a arrecadação e a distribuição de receitas. A alta carga tributária sobre o consumo afeta desproporcionalmente as classes de renda mais baixa.

A texto da reforma tributária no Brasil altera essa taxação sobre o consumo, trazendo a figura do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, com as alíquotas do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e também da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), mais o Imposto Seletivo (IS).

A subsecretária de Política Fiscal da Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda, Debora Freire Cardoso, explica que o sistema tributário é diferente em cada país, conforme o padrão de consumo das famílias. “Em países em que você tem uma distribuição de renda mais igualitária ou menos concentrada, você vai ter um padrão de consumo um pouco diferente”, explica.

Segundo Debora Freire Cardoso, o padrão de consumo no Brasil é peculiar por conta da renda muito concentrada. Por conta dessa característica do Brasil, famílias mais pobres acabam gastando a sua renda, o orçamento, em produtos essenciais como os alimentos. Já os serviços são mais contratados pelas famílias que têm mais renda.

“A reforma tributária no Brasil vai ajustar essa carga de forma igualitária para todos”, diz Debora Freire Cardoso, também professora do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas (Cedeplar), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

No Brasil e no mundo, a tendência de reformas tributárias tem sido impulsionada por vários fatores, incluindo a necessidade de aumentar a arrecadação de receitas, promover maior justiça fiscal, responder aos desafios econômicos exacerbados pela pandemia de covid-19 e modernizar sistemas tributários para torná-los mais eficientes e competitivos.

Nos últimos cinco anos, as reformas tributárias não só se tornaram mais frequentes, como também mais abrangentes, abordando uma ampla gama de questões, desde a tributação de grandes corporações até a implementação de impostos mais progressivos.

Uma reforma tributária representativa ocorreu na Índia, país pertencente ao Brics (parceria entre cinco das maiores economias emergentes do mundo: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. “A Índia passou por uma reforma enorme. Até onde eu tenho conhecimento, bem-sucedida em termos de simplificação do sistema”, diz Luís Flávio Neto, do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). A Índia tinha um sistema tributário considerado por muitos como um dos mais complexos do planeta”, completa.

Na Índia, a reforma tributária entrou em vigor em primeiro de julho de 2017, substituindo uma série de impostos indiretos que eram aplicados em níveis central e estadual, como o imposto sobre vendas, o imposto sobre serviços, o imposto de valor agregado (IVA), entre outros.

Na África, países como Nigéria e Quênia têm revisado seus sistemas tributários para aumentar a arrecadação de receitas, muitas vezes com o apoio de instituições internacionais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), que têm enfatizado a importância da mobilização de receitas domésticas.

Na América Latina, países como Argentina e Brasil têm proposto reformas fiscais para simplificar seus complexos sistemas tributários e aumentar a eficiência na arrecadação, em resposta às necessidades fiscais crescentes.

Em 2021, a Indonésia implementou uma reforma tributária que incluiu a introdução de novas faixas de imposto de renda e a redução de isenções fiscais. Essas reformas foram projetadas para aumentar a arrecadação de receitas e simplificar o sistema tributário do país.

Também em 2021, a Itália implementou reformas tributárias focadas na simplificação do sistema tributário e na redução de impostos para rendimentos baixos e médios. Essas reformas foram parte de um esforço maior para estimular a economia após a pandemia de covid-19.

Outros países, especialmente aqueles da OCDE, tendem a equilibrar melhor a tributação entre renda, consumo e propriedade, o que contribui para sistemas tributários mais progressivos . Vários países da União Europeia, incluindo França, Itália e Espanha, implementaram reformas tributárias para combater a evasão fiscal e aumentar a arrecadação de impostos de grandes corporações, especialmente no setor digital.

Luís Flávio Neto explica que existe um projeto chamado BEPS (Base Erosion and Profit Shifting), capitaneado pelo OCDE e G20, que reúne os países com as maiores economias do mundo, para combater a redução da base tributária e o desvio de lucros por empresas multinacionais. Desde 2021, um conjunto de medidas, chamado de Pilar 2 (dois pilares), propõe que todos os países teriam uma tributação mínima, ou seja, nenhum país cobraria menos do que a alíquota global de imposto corporativo de 15%. Assim, as multinacionais pagariam um nível mínimo de impostos, independentemente de onde estejam localizadas.

Embora seja uma implementação voluntária, vários países já estão bem avançados nessa regulamentação. O Brasil ainda está discutindo o tema, mas há perspectivas de regulamentar o Pilar 2 por aqui nos próximos anos, explica o tributarista.

O Brasil tem fomentado o debate do terceiro pilar (Pilar 3) durante seu período na presidência do G20, propondo a tributação de grandes fortunas de famílias e pessoas. A discussão ocorre em diferentes países sobre tributar mais ou menos.

“Quando você tributa muito uma pessoa física, uma grande fortuna, a experiência que nós temos aqui é que a pessoa se muda para outro país com menor tributação. Se errar na dose, você pode afugentar grandes investidores, grandes rendimentos. Alguns países, inclusive, adotam políticas fiscais para atrair grandes rendimentos, em vez de tributar de maneira mais elevada”, afirma Luís Flávio Neto, sócio do KLA Advogados e ex-conselheiro do Carf.

Fonte: Jornal Valor Econômico