Projeto favorece Estados em dívida com União

Enviado Quarta, 10 de Julho de 2024.

Proposta de Pacheco congela e parcela R$ 700 bilhões por 30 anos e troca indexador

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), apresentou, nesta terça-feira (9), o projeto de lei complementar com novas regras para o pagamento da dívida dos Estados com a União. A iniciativa do presidente do Senado altera o indexador e prevê que o valor principal da dívida, em torno de R$ 700 bilhões, deverá ser congelado e parcelado em 30 anos. A maior parte dos débitos são de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.

O projeto permite aos Estados a negociação de ativos no abatimento do estoque da dívida com a União. O indexador de correção da dívida poderá ser reduzido de IPCA mais 4% para apenas IPCA. Os juros poderão ser abatidos em até dois pontos percentuais com a entrega de ativos. Para isso será preciso que o valor seja superior a 20% do valor total da dívida.

Caso o montante fique entre 10% e 20% o abatimento é de um ponto percentual. A proposta também prevê a dedução de um ponto percentual se o valor correspondente for revertido em investimentos no próprio Estado, nas áreas de educação, infraestrutura e segurança pública e outro ponto percentual destinados ao Fundo de Equalização Nacional, que atenderá a todos os entes, até os não endividados.

Inicialmente, a proposta do Ministério da Fazenda para reduzir os juros da dívida tinha como contrapartida investimentos na ampliação das matrículas no ensino médio técnico. O projeto de Pacheco flexibiliza a alocação desses investimentos, mas apenas para estados que atingirem as metas anuais de desempenho da educação profissional técnica de nível médio. Enquanto o Estado não cumprir esse mínimo, 60% dos recursos serão obrigatoriamente destinados ao desenvolvimento da educação profissionalizante.

Fontes do Ministério da Fazenda avaliam, nos bastidores, que a proposta do Senado “está longe da ideal” e, além disso, distante daquela enviada originalmente pela pasta. Avaliações preliminares internas apontam que, além de prejudicial para a União por haver prejuízos ao fluxo financeiro, o texto não é bom nem mesmo para os Estados que tentam renegociar suas dívidas, como Minas Gerais e Rio de Janeiro.

Questionado sobre o projeto, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que não havia lido o texto ainda, mas frisou a importância de que a medida não afete as contas federais.

“O objetivo é que não haja impacto nas contas primárias do governo federal. Isso nós precisamos assegurar de qualquer jeito, senão vai gerar uma série de problemas nas contas nacionais e não estamos em condição de errar nesse quesito”, disse o ministro a jornalistas.

Pacheco escolheu como relator o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Davi Alcolumbre (União-AP), seu aliado de primeira hora. A expectativa é que a proposta seja votada até o dia 18, quando começa o recesso parlamentar informal.

Apesar da pressa, no plenário, Pacheco pediu a “colaboração” dos senadores e admitiu que ainda não há consenso sobre os pontos com a Fazenda e governadores.

“É um programa sustentável, um projeto muito bem amadurecido juntamente com a Ministério da Fazenda e os governadores. Evidentemente, nem tudo está acordado com a Fazenda, nem tudo está acordado com os governadores. Agora é hora de todos sentarem à mesa para identificar quais os pontos que possam ser melhorados”, disse.

Na avaliação de fontes do governo, Pacheco pode ter adotado uma estratégia de ampliar os benefícios aos Estados para evitar críticas do governador de Minas Gerais, Romeu Zema, com quem disputa protagonismo político.

O senador afirmou que, caso os entes endividados consigam aderir ao Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag) e reduzir os 4% dos juros, o montante dos débitos estaduais cairia de R$ 700 bilhões para R$ 672 bilhões. Mesmo com o Executivo abrindo mão de R$ 28 bilhões anualmente, Pacheco defende que a proposta beneficiará a União.

“A União finge que recebe, o Estado finge que paga e a dividia vai aumentando. Nós estamos dando uma forma de equalização. Porque a relação de União com Estados não pode ser de cunho financista. É uma relação federativa. Nós estamos falando de investimentos nos Estados, nós estamos permitindo que a União receba o principal”, defendeu.

O projeto prevê ainda a possibilidade de o Estado repassar à União “créditos líquidos e certos” com o setor privado. O trecho possibilita, por exemplo, que o governo de Minas Gerais utilize o restante da indenização da Vale junto ao governo estadual pelo rompimento da barragem da mineradora em Brumadinho para abater o estoque da dívida. Esse ponto foi visto com ceticismo por integrantes do governo federal, que temem que dívidas de baixa recuperabilidade entrem no pacote.

Durante a elaboração do texto, governadores e parlamentares buscaram colocar na proposta uma negociação com descontos nos juros e no montante principal da dívida. Segundo Pacheco, isso atentaria contra a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Governadores também defenderam a utilização dos recursos do Fundo de Compensação dos Estados criado na reforma tributária para o abatimento da dívida, mas isso não foi acatado.

Na avaliação de Felipe Salto, ex-secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo e atual economista-chefe e sócio da Warren Investimentos, a proposta do Senado é “muito preocupante”. “Na prática, os juros reais poderão cair a zero. O custo será impeditivo para o equilíbrio fiscal, porque perderá fluxos de receitas financeiras e, de outro lado, o arranjo vai estimular gastos com o espaço gerado”, avaliou.

“Como se não bastasse, ainda estão criando um fundo de equalização, para o qual será destinado um ponto percentual da redução dos juros dos estados que aderirem. Esse fundo será partilhado com todos os Estados. Claramente, uma maneira de jogar dinheiro pela janela”, criticou.

Marcelo Fonseca, economista-chefe da Reag Investimentos, reconhece a importância de o governo federal, que tem mais capacidade do que os Estados de contrair dívidas, atuar como uma espécie de “emprestador de última instância”. Mas diz que, em uma “primeira análise”, a proposta de Pacheco “tem uma série de problemas”, sendo alguns recorrentes. Um exemplo é a ausência de “contrapartidas significativas que permitam ajustes e reformas” para que os entes melhores a sua situação fiscal.

Fonte: Jornal Valor Econômico