Quais são os palácios do governo do Rio que vão se tornar centros culturais

Enviado Quinta, 16 de Fevereiro de 2023.

Maior funcionalidade explica as mudanças de Legislativo e Executivo para prédios

Centenários, os palácios do Rio de Janeiro estão ligados de forma umbilical à história da República. Era neles, afinal, que o poder se concentrava nos tempos em que a cidade ainda era capital, antes da construção de Brasília. Desde então, as edificações passaram a servir como sedes do Legislativo e do Executivo locais, mas começam agora a deixar de ser palco do dia a dia da política para virar museus e centros culturais.

A tendência começou com o Palácio Tiradentes, no qual até o ano passado funcionava a Assembleia Legislativa do Rio, e será seguida em breve pelo Palácio Pedro Ernesto, da Câmara Municipal, que está em fase de mudança para um prédio em estilo art déco no qual funcionou o império de Eike Batista. Até o Laranjeiras, residência oficial do governador em meio ao ar fresco do Parque Guinle, na zona sul da cidade, caminha para o mesmo destino. O imponente palácio eclético, de ouro abundante e que de fato não tem clima de casa, chegou a ser moradia de Juscelino Kubitschek quando o presidente dispensou o Catete — o mineiro não queria, afinal, viver sob o mesmo teto onde Getúlio Vargas se suicidara.

“O Laranjeiras tem muitas obras de arte e objetos que contam a história do Brasil. A assinatura do AI-5 foi ali, presidentes moraram no palácio. É um desserviço ao país ser usado como casa por alguém e não ser focado em receber a população”, afirma o governador Cláudio Castro (PL), que não usa o palácio como residência e relata também problemas elétricos e hidráulicos. O governo está à procura de uma nova casa para ser a oficial dos governadores e liberar o Laranjeiras apenas para visitações e solenidades.

Com a aquisição do Edifício Serrador, tradicional prédio de 1944 em frente ao Passeio Público e a poucos passos da Cinelândia, a Câmara é a bola da vez nessa onda de migrações. Assim como a Alerj sofria, a Casa passa hoje pela indesejada combinação entre falta de espaço e altos custos de manutenção. Além do Pedro Ernesto, na Cinelândia, há dois edifícios alugados para o funcionamento de gabinetes e da parte administrativa, que custam cerca de R$ 7 milhões todo ano para o Legislativo e estão longe de oferecer boas condições de trabalho.

Uma conhecida história dos bastidores da Câmara diz que a vereadora Marielle Franco, assassinada em março de 2018, contava que, para acender a luz do próprio gabinete, precisava entrar na sala de um colega. Afinal, são diversos “puxadinhos” improvisados como escritórios ao longo dos anos, muito por causa do aumento no número de vereadores — que segue a lógica do tamanho da população no Censo do IBGE.

A aquisição do Serrador, concretizada no ano passado, custou R$ 146 milhões, e a Câmara avalia que o investimento será compensado em pouco menos de dez anos pela economia com aluguéis e reparos. “Negociamos de não pagar à vista, e sim deixar metade parcelado em 12 meses. Temos dinheiro em caixa, mas está num fundo rentabilizando e, portanto, compensa espaçar o pagamento”, explica o presidente da Casa, Carlo Caiado (PSD).

Estima-se a mudança para o Serrador a partir de agosto, com o setor administrativo. A atividade legislativa e os gabinetes passariam de vez para a nova casa no início do ano que vem. Ao contrário do Edifício Lúcio Costa, onde agora a Alerj funciona, há pouca necessidade de obras estruturais na futura Câmara.

Ao Pedro Ernesto, após restauros internos e na fachada, caberá virar um centro cultural com foco na história da democracia, além de sede da Escola do Legislativo. Apesar de menos marcante para a República do que o Tiradentes, que foi sede da Câmara dos Deputados, pesa a favor do palácio municipal o fato de estar na Cinelândia, palco histórico das manifestações políticas do Rio. Um exemplo: foi até as escadarias do palácio, vizinho do Theatro Municipal, que o corpo do estudante Edson Luís, morto pela ditadura em 1968, dirigiu-se pelas mãos de manifestantes para ser velado.

Com a mudança da Alerj concretizada no ano passado, deixando o Tiradentes apenas para sessões especiais, o palácio está mais avançado no projeto de virar um museu de referência sobre a história da República e da democracia. Não apenas dos vários episódios que se passaram ali antes e depois da proclamação de 1889, como a prisão do inconfidente mineiro que dá nome ao espaço ou os processos constituintes republicanos, mas de todo o resto. A superintendente de curadoria é a ex-primeira dama do estado Maria Lúcia Cautiero Horta Jardim, casada com o ex-governador Luiz Fernando Pezão, e o coordenador do projeto Casa da Democracia, cuja pedra fundamental foi lançada no dia 31 de janeiro, é o professor da UFF Franklin Coelho.

“Temos o desafio de impor inovações, pensar em interatividades, mas sem esconder o palácio. Vamos usar, nesse sentido, o recurso de realidade aumentada. Haverá um circuito republicano, outro democrático. A história a ser contada vai além do Tiradentes, mas tem o palácio como lugar de fala”, conta Coelho. A previsão é que a Casa da Democracia seja inaugurada em meados deste ano.

O Tiradentes e o Pedro Ernesto simbolizam bem o Brasil da década de 1920, observa o diretor do Instituto de História da UFRJ, Antonio Carlos Jucá de Sampaio. “Tanto um quanto outro estão marcados por um certo momento de modernização do centro do Rio. Em 1922, temos o centenário da Independência do Brasil, com uma série de exposições”, recorda. “Há um significado: era um país que fazia um balanço de onde tinha chegado. E o Rio, como capital do país, buscava se apresentar como símbolo de modernidade, de transformação.” O professor usa o termo “modernização autoritária” para se referir ao processo — que culminou, por exemplo, na demolição do Morro do Castelo, naquele mesmo 1922.

As novas sedes dos legislativos fluminense e carioca também se enquadram na categoria de edifícios exemplares da história da cidade. Se o Serrador, tombado, é da década de 1940 e em estilo art déco, o Edifício Lúcio Costa é um ícone do modernismo brasileiro — a construção foi finalizada em 1965. Enquanto um funcionou recentemente como lar do império de Eike, o outro foi sede do extinto Banco do Estado do Rio de Janeiro (Banerj).

Nas palavras do professor da UFRJ, os palácios da década de 20 se encaixavam na ideia de “aformoseamento da cidade”, muito inspirada em padrões europeus. Já os altíssimos prédios que agora abrigarão as discussões diárias da política são pensados justamente com argumentos hoje usados pelas casas legislativas para explicar o porquê de ocupá-los: uma maior funcionalidade. “É uma arquitetura mais racional, retilínea. Outro tipo de perspectiva arquitetônica, com novas transformações na paisagem, pensando muito no aspecto funcional. A arquitetura modernista tem uma ideia de que você influencia na sociedade com a arquitetura, um ideal meio utópico. A ideia de Brasília, por exemplo, é isso”, explica.

Fonte: Valor Econômico