Deputados se opõem a acordo bilionário no Rio
Enviado Sexta, 13 de Janeiro de 2023.Um acordo bilionário entre o Estado do Rio de Janeiro e a prefeitura carioca está travado na Assembleia Legislativa fluminense devido à resistência de parlamentares ligados a municípios do interior, inclusive o próprio líder do governo na casa. Pelos cálculos da Secretaria municipal de Fazenda e Planejamento do Rio, a prefeitura deixou de receber cerca de R$ 8 bilhões em recursos do ICMS ao longo de 26 anos.
Pela Constituição Federal, 25% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) arrecadado pelos Estados deve ser repassado aos municípios. Só que, no caso do Rio de Janeiro, uma lei estadual interrompeu em 1996 as transferências do tributo para a capital.
Vice-governador do Estado do Rio à época, o deputado Luiz Paulo Corrêa da Rocha recorda que a exclusão da capital da partilha do ICMS foi justificada com base na ideia de que era preciso “interiorizar o desenvolvimento” no Estado. Dentro dessa lógica, não faria sentido destinar recursos à capital, que já concentrava a maior parte do parque industrial fluminense.
“As pessoas que fizeram a lei acharam que era constitucional, na época”, afirmou o parlamentar. “Mas depois o Supremo [Tribunal Federal] julgou isso e considerou inconstitucional.” Em 2019 transitou em julgado uma decisão da corte determinando que o município do Rio seja reincluído na divisão de recursos do ICMS da qual fora alijado anteriormente.
Em 14 de dezembro, o prefeito Eduardo Paes (PSD) publicou em sua conta no Twitter uma postagem na qual destacava: “Depois de 20 anos de uma disputa judicial, o município do Rio teve reconhecido o seu direito a uma maior participação no ICMS do Estado.”
Como não cabe mais recurso da decisão, o Estado do Rio teria de aprovar uma nova lei que inclua sua capital na repartição do ICMS e pagar uma reparação com efeito retroativo - R$ 8 bilhões aproximadamente, incluindo correção monetária. O pagamento dos atrasados seria feito a longuíssimo prazo, num prazo de 112 anos, esclareceu a Secretaria de Estado de Fazenda do Rio de Janeiro.
“Para que o recebimento do recurso não afete outros municípios, no fim de 2022 houve um acordo entre o Estado e o município do Rio para que o valor seja pago a partir de 2026, e que o débito passado seja parcelado em muitos anos. O município aceitou a proposta, porém, aguarda que a lei entre em votação”, esclareceu a Fazenda municipal em nota. O problema é que parte dos deputados na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) é contra a aprovação de um projeto de lei nesse sentido.
Em dezembro, o Executivo enviou à Alerj o Projeto de Lei nº 6.358/22, que regulamenta o repasse aos municípios fluminenses da parcela de 25% da arrecadação de ICMS. Além de atender a decisão do Supremo Tribunal Federal, a proposta regulamentaria o repasse aos municípios fluminenses da parcela do ICMS prevista na Emenda Constitucional nº 108, de 2020. A emenda prevê que uma fatia do ICMS destinada aos municípios vá para as prefeituras com indicadores de melhoria na área de educação.
“Os deputados do interior se posicionaram contra o projeto e ameaçaram barrá-lo por causa do impacto nas finanças dos outros municípios”, explicou o deputado estadual Flavio Serafini (Psol). “O governo foi negligente no cumprimento da decisão do STF. Não fez uma negociação envolvendo todos os municípios interessados.”
O próprio líder do governo na Assembleia Legislativa - deputado Chico Machado (Solidariedade) - se pronunciou contra a proposta de lei. Na tribuna da casa, ele enfatizou que nesse caso específico sua atuação não se daria como líder do governo mas como deputado eleito por uma cidade do interior - Macaé, no norte fluminense.
“[O projeto] não foi votado ainda por causa do dissenso entre os parlamentares [que representam a capital e o interior]”, afirmou o advogado Robson Maciel Júnior, que assessora Machado nessa discussão - o líder do governo ainda se recupera de uma infecção pelo vírus da covid-19. “Ainda existem pontos a serem discutidos.”
Por e-mail, a Secretaria estadual de Fazenda destaca que o governo fluminense, os 92 municípios e a Alerj estão “em tratativas com o objetivo de construir uma proposta que melhor contemple a todos”.
Sócia-fundadora do escritório Terra e Vecci Advogados, Liz Marília Vecci explicou que não é incomum um Estado demorar a cumprir uma decisão em última instância do STF. Isso porque a Justiça entende que o Estado precisa de tempo para ajustar às decisões judiciais, principalmente envolvendo distribuição de imposto. “O Estado não pode simplesmente dar saída de recursos em seu caixa. O Estado tem despesas correntes, contrapartidas obrigatórias”, disse, frisando que os cofres estaduais têm orçamento a cumprir. Daí a necessidade de legislação estadual para prover as mudanças necessárias, determinadas pelo Supremo, nesse sentido, comentou.
Fonte: Valor Econômico