Entre a receita de ICMS e a inflação

Enviado Quarta, 11 de Janeiro de 2023.

Os novos governadores começam os seus mandatos com uma agenda que deve demandar muita negociação e capital político: a definição da tributação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre gasolina e álcool. Aumentar tributos nunca foi medida fácil e bem-recebida em momento algum e em lugar nenhum, mas neste ano a questão está fortemente correlacionada não somente à necessidade de financiamento de gastos mas também ao tamanho da inflação, que, apesar de ter deixado o pico para trás, se mantém ainda alta e no centro das atenções, já que sua evolução define os rumos da política monetária do Banco Central (BC).

O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) divulgado ontem pelo IBGE fechou 2022 em 5,79%, acima do centro da meta do BC para o ano passado, de 3,5%, com teto de 5%.

Governadores querem definir tributação de álcool e gasolina logo

Os Estados têm até o fim de abril para definir como será a tributação de ICMS sobre a gasolina e o álcool, mas o interesse dos governadores é fazer isso o quanto antes. A receita de ICMS sobre esses dois combustíveis é uma das mais importantes para a recomposição da arrecadação perdida sob efeito principal da Lei Complementar (LC) 194/22. Aprovada em meio à corrida eleitoral à Presidência da República e voltada para amenizar a pressão de preços no bolso do consumidor, a lei resultou na redução de alíquotas de ICMS ao considerar como bens essenciais combustíveis, telecomunicações e energia elétrica.

Publicada ao fim de junho de 2022, a lei resultou em perdas mais intensas do ICMS recolhido desde agosto, revertendo o bom desempenho de receitas com o imposto que os Estados tiveram no primeiro semestre. Dados dos relatórios fiscais entregues à Secretaria do Tesouro Nacional mostram que no agregado dos 26 Estados e Distrito Federal a receita com ICMS recuou 5,7% em termos reais no acumulado de janeiro a outubro do ano passado em relação a iguais meses do ano anterior.

Vários Estados tomaram medidas para amenizar o impacto nas receitas. Parte dos entes buscou no ano passado liminares para garantir a compensação de perdas com o abatimento do serviço da dívida com a União, parte buscou a aprovação do aumento da alíquota padrão do ICMS ou buscou novas receitas.

Os três setores atingidos pela redução de alíquotas representaram nos últimos anos cerca de um terço da arrecadação de ICMS agregada dos Estados. Os combustíveis são os mais representativos e respondem por metade desse quinhão. Dentro desse grupo, um dos maiores impactos vem do ICMS sobre a gasolina. Além de ser importante em termos de volume de comercialização, antes dos efeitos da LC 194/22, o combustível era tributado em geral com alíquotas de ICMS mais altas, que chegavam a superar os 30%. A redução de alíquotas de ICMS imposta aos Estados, portanto, tendeu a resultar em perdas maiores na gasolina do que em outros combustíveis.

Um acordo negociado em comissão especial no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF) pode ajudar os Estados a recompor a receita sobre a gasolina. Os Estados têm até o fim de abril para elaborar um modelo conjunto e unificado de tributação sobre os dois combustíveis. Na perspectiva de que a gasolina não seja tratada como bem essencial, o que permitiria aumentar a alíquota de ICMS sobre o combustível, George Santoro, secretário de Fazenda de Alagoas, avalia como caminho uma cobrança ad rem (de preço fixo por volume comercializado) que não tire a competitividade do etanol. O desafio é grande, diz ele, porque os preços dos combustíveis variam muito conforme os Estados e a amplitude das diferentes alíquotas de ICMS aplicadas anteriormente sobre a gasolina ficava próxima aos dez pontos percentuais.

“Um aumento do ICMS na gasolina deve ter efeito na inflação”, diz o secretário, e isso preocupa os governos estaduais. Mas essa recomposição é um caminho não somente para organizar as receitas de 2023 como também tornar viáveis contas mais ajustadas do ponto de vista fiscal para todos os quatro anos de mandato que os novos governadores têm à frente, diz Santoro, que também foi secretário de Fazenda de Alagoas durante os dois últimos mandatos, sob o governo de Renan Filho (MDB).

Uma amostra que não se trata de decisão trivial fica claro com o que acontece no âmbito federal no qual, diferentemente dos Estados, não é necessário consenso entre 27 entes federados com realidades diversas. Medida Provisória (MP) do último dia 2 manteve até 31 de dezembro deste ano alíquota zero de PIS e Cofins sobre diesel, biodiesel e gás liquefeito de petróleo. Para gasolina, álcool, querosene de aviação e gás natural veicular, a desoneração foi garantida até 28 de fevereiro deste ano. Havia uma expectativa que as desonerações sobre todos esses combustíveis, que inicialmente tinham validade até fim de 2022, fossem suspensas, acabando com uma renúncia fiscal de R$ 53 bilhões que constavam da proposta de Orçamento federal de 2023. Com a MP há ainda renúncia, embora menor, de R$ 25 bilhões.

Tatiana Nogueira, economista da XP, lembra que a projeção anterior de inflação da casa contava com a reoneração dos tributos federais em todos os combustíveis a partir de janeiro. Agora a perspectiva de volta do PIS e da Cofins está concentrada em itens como gasolina e etanol, mas somente a partir de março. A XP, explica, mantém estimativa de inflação de 5,4% para 2023, mas agora com inflação mais fraca em janeiro e mais forte a partir de março. A elevação de ICMS sobre gasolina fica mantida fora do cenário-base e dessa estimativa, mas a possibilidade desse aumento, destaca, é considerada “não desprezível”. Esse aumento, diz Tatiana, pode elevar o IPCA do ano em até 0,7 ponto percentual.

Luís Otávio de Souza Leal, economista-chefe do Banco Alfa, já incorpora a elevação de ICMS no seu cenário-base. Ele conta que sua estimativa inicial de inflação para 2023 era de 4,2%. Com a perspectiva de reoneração de PIS e Cofins na gasolina e no álcool a partir de março, o índice foi para 4,9%. “Depois entrou a discussão do ICMS e considero muito difícil que a gasolina não seja retirada da classificação de bem essencial”, diz. A recomposição de ICMS, entre outros acertos, explica, elevou a estimativa do banco para o IPCA de 2023 para 5,5%, acima da inflação do centro e do teto da meta do BC para 2023, de 3,25% e de 4,75%, respectivamente.

Fonte: Valor Econômico