Desoneração faz ICMS despencar em agosto

Enviado Sexta, 23 de Setembro de 2022.

Grupo de 23 Estados e DF perde 6,9% em combustíveis e 40,4% em energia, mostra levantamento

Com a redução de alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) nos preços administrados, a receita do tributo em agosto sobre petróleo e combustíveis somou R$ 9,83 bilhões, com queda de 6,9% em termos nominais em agosto - 14,7% reais, considerando IPCA de 8,73% em 12 meses até o mês - em relação a igual período do ano passado no conjunto de 23 Estados e o Distrito Federal. A arrecadação na energia elétrica somou R$ 3,1 bilhões no mesmo grupo, com queda nominal de 40,4% em igual comparação, sob efeito também de tarifas reduzidas. Somados, os dois setores representam praticamente um quarto da arrecadação total do imposto. A receita total de ICMS alcançou R$ 55,5 bilhões em agosto, com recuo nominal de 1,9% contra mesmo mês de 2021.

O recuo na arrecadação de ICMS sobre combustíveis em agosto foi generalizado e aconteceu em 18 dos 24 entes federados. Na energia elétrica houve queda em 21 Estados. Os dados de arrecadação de agosto refletem as operações de julho, primeiro mês cheio em que vigoraram as reduções de alíquotas de ICMS sobre combustíveis, energia elétrica, comunicações e transportes impostas pela combinação das leis complementares (LC) 192/2022 e 194/2022.

No acumulado de janeiro a agosto do ano, a arrecadação total de ICMS tem alta nominal de 12,5%, e a receita sobre petróleo, combustíveis e lubrificantes, de 26,6%, sempre contra iguais meses do ano passado. Já energia elétrica cresceu 8% na mesma comparação, com perda leve para a inflação do período. A arrecadação sobre as contas de luz já apresentou decréscimo nominal em julho, com queda de 10,6% no agregado dos 24 entes, também em comparação interanual.

Os dados são do boletim de arrecadação tributária do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). Piauí, Tocantins e Rondônia não estão no universo comparado por não terem dados de arrecadação de agosto deste ano disponíveis no site do Confaz até ontem à tarde. Para representantes de Fazendas estaduais ouvidos pelo Valor, a queda de arrecadação nesses segmentos deve ser a tendência ao menos até o fim deste ano.

George Santoro, secretário da Fazenda de Alagoas, diz que a redução mais recente da receita do ICMS da energia elétrica resulta não somente da redução de alíquotas como também de tarifas do setor. Para ele, o efeito maior da receita em energia, porém, ainda virá nos próximos meses, com a retirada da base de cálculo do ICMS da Tust e da Tusd, as taxas sobre transmissão e sobre distribuição de energia. A exclusão foi estabelecida pela LC 194/2022, mas tem suscitado divergências entre Estados, União e empresas do setor sobre sua regulamentação e vigência.

O efeito maior dessa exclusão para os Estados de forma geral, acredita Santoro, virá mais fortemente na arrecadação a partir de outubro, relativa às operações de setembro. O efeito da redução de alíquotas levará o Estado a fechar o ano com perda real de arrecadação de ICMS em relação a 2021, estima. Em Alagoas, segundo os dados do Confaz, a receita total de ICMS teve perda nominal de 6,4% em agosto, com queda de 46,4% em petróleo e combustíveis e de 22,6% na energia elétrica.

No Ceará, diz a secretária de Fazenda estadual, Fernanda Pacobahyba, houve perda de R$ 100 milhões na receita de ICMS do governo estadual, o que reduziu em R$ 25 milhões o repasse aos municípios e em 15 milhões as transferências ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).

Os impactos devem ser mantidos nos próximos meses até o fim de 2022, diz ela. Sua esperança, afirma, é de que haja solução para compensação de perdas com o ICMS na comissão especial criada para esse fim pelo Supremo Tribunal Federal (STF). No Ceará, segundo dados do Confaz, a arrecadação total de ICMS somou em agosto R$ 1,39 bilhão, com queda nominal de 6,4% contra igual mês do ano passado. A receita do imposto sobre petróleo e combustíveis teve queda de 30%, e a sobre energia elétrica, redução de 11%.

O impacto para os municípios, que são afetados porque recebem repasse correspondente a 25% do ICMS de seus respectivos Estados, tem sido heterogêneo, aponta Giovanna Victer, secretária da Fazenda de Salvador e presidente do Fórum Nacional de Secretários de Fazenda da Frente Nacional de Prefeitos (FNP).

Há Estados, explica, que têm compensado nas transferências aos municípios a perda com a arrecadação do imposto, com base em liminares que permitem o ressarcimento da perda estimada com o abatimento do pagamento da dívida com a União. Há outros, porém, que têm já sentido frustração em relação à receita planejada. Para ela, a situação deixa o cenário mais nebuloso para 2023, quando as contas públicas devem ser afetadas por essa redução de alíquotas, acompanhada de desaceleração da economia e impacto da inflação nas despesas.

Sergio Gobetti, especialista em contas públicas, também destaca o desafio à frente para os governos estaduais. Para ele, o aumento de arrecadação que os Estados experimentaram no período mais recente veio de fatores transitórios. Ele explica que nos últimos dois anos houve um descompasso entre a base de cálculo do ICMS e o PIB. Isso aconteceu de forma, excepcional, diz ele, com a alta inflação dos bens industrializados como resultado da pandemia, agravada também pelo câmbio desvalorizado.

Em estudo em que construiu uma proxy da base tributável do ICMS com base nos dados das contas nacionais trimestrais do IBGE, Gobetti mostra que a partir do quarto trimestre de 2020, após o impacto mais forte da pandemia, desaparece o comportamento simétrico antes existente entre a base de cálculo do imposto e a evolução do PIB. As taxas de crescimento nominal da receita de ICMS, diz, se mantêm muito mais próximas das taxas de expansão da base e se diferenciam das taxas de crescimento do PIB.

A tendência é que a médio prazo ocorra um fenômeno inverso ao que vem acontecendo nos últimos dois anos, avalia Gobetti. Isso, explica, deve levar a uma queda da receita do ICMS em proporção do PIB. O movimento não deve acontecer de forma abrupta, aponta, mas gradualmente nos próximos anos. Ao mesmo tempo, a arrecadação estadual ainda deverá ser afetada pelas mudanças no ICMS impostas no decorrer de 2022.

Fonte: Valor Econômico