Lei da improbidade pode beneficiar réus com processo em curso
Enviado Sexta, 19 de Agosto de 2022.O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a nova lei de improbidade administrativa, mais benéfica aos réus que a anterior, deve ser aplicada a processos antigos, desde que ainda estejam em curso. Na prática, esse entendimento pode limpar as fichas de uma série de políticos já condenados por ato de improbidade, mas que ainda têm recursos pendentes de julgamento.
Esse é o caso, por exemplo, do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), do ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda (PL), do ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho (União Brasil) e do ex-prefeito do Rio Cesar Maia (PSDB). Todos são alvos de ações de improbidade ajuizadas antes da vigência da nova lei, mas que seguem em tramitação.
A nulidade desses processos - circunstância que os liberaria para concorrer normalmente às eleições - não será automática. Como a nova lei prevê punição apenas quando houver dolo (cometimento deliberado de irregularidades), excluindo os atos culposos (sem intenção), caberá a cada juiz verificar se houve má-fé e, com isso, decidir pelo prosseguimento ou não da ação.
Os ministros decidiram, por outro lado, que a retroatividade não se aplica a condenações que já transitaram em julgado, aquelas das quais o réu já não pode mais recorrer. Os novos prazos de prescrição, mais curtos que os previstos anteriormente, também não poderão retroagir.
Prevaleceu o voto do ministro Alexandre de Moraes, relator do caso. Na avaliação dele, um agente público não pode ser processado por um ato de improbidade que não existe mais, como o da modalidade culposa. “É preciso examinar se o gestor vislumbrou a irregularidade, mas disse ‘dane-se’, o que configuraria o dano eventual”, alertou.
Nesse ponto, o placar foi de 7 a 4. Com o relator, votaram os ministros André Mendonça, Nunes Marques, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Luiz Fux. Ficaram vencidos os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Cármen Lúcia, contrários à retroatividade.
Ao divergir, Rosa afirmou que a Constituição Federal é clara ao prever que a retroatividade da lei mais benéfica é garantida ao réu apenas para casos penais. “Entendo que a interpretação deve ser restritiva, circunscrita ao direito penal, não alcançando o direito administrativo sancionador, mais voltado à tutela do interesse público”, disse a próxima presidente do Supremo.
Para Lewandowski, por outro lado, a lei penal e a lei de improbidade se correlacionam. “A retroatividade da lei mais benéfica encontra amparo constitucional, aplicado àqueles que praticaram um ilícito correspondente à improbidade, que não deixa de ser um microssistema do direito penal estatal”, observou.
Em relação às sentenças que já foram consideradas definitivas pela Justiça, seja por atos culposos ou dolosos, o relator afirmou não ser possível reabri-las. Na avaliação dele, isso violaria o chamado “princípio da coisa julgada” e causaria grande insegurança jurídica nos tribunais de todo o país. Nesse ponto, foi seguido por Marques, Fachin, Barroso, Rosa, Cármen e Fux.
Mendonça e Lewandowski chegaram a defender que, nos casos já transitados em julgados, as defesas pudessem utilizar a nova lei, sancionada em outubro do ano passado, para mover ações rescisórias e requerer indenizações do Estado. Porém, essa questão não foi incluída na tese.
Moraes também votou contra a retroatividade dos novos prazos prescricionais - e também foi seguido pela maioria. “Se o Estado foi diligente e atuou dentro dos prazos à época vigentes, a sua inércia não estará caracterizada”, argumentou.
Um ponto de consenso entre os ministros foi o de que a aplicação da nova lei, mesmo que livre o réu, não poderá anular as provas colhidas, que poderão ser compartilhadas com outros processos, inclusive na área penal.
Procurado pelo Valor, Lira disse que “decisão da Justiça não se comenta, se cumpre”. Os demais citados não responderam.
Fonte: Valor Econômico