Perspectiva de aprovação de projeto que reduz ICMS derruba expectativas de inflação

Enviado Sexta, 20 de Maio de 2022.

As expectativas de inflação embutidas nos ativos financeiros roubaram a cena no mercado de renda fixa doméstico ao desabarem ontem com os investidores atentos à tramitação, na Câmara dos Deputados, da proposta que diminui a alíquota de ICMS sobre preços de bens e serviços. A declaração do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), de que a medida será pautada na próxima semana foi vista como o “gatilho” do movimento.

Dados da Renascença mostram que, no fechamento de ontem, a inflação embutida na NTN-B (título público com rentabilidade atrelada ao IPCA) com vencimento em agosto recuou 1,35 ponto, para 6,38%. Já a inflação “implícita” extraída da NTN-B para maio de 2023 cedeu de 7,65% para 7,22%.

No contrato futuro de cupom de IPCA (DAP), negociado na B3, a expectativa de inflação do mercado para o fim deste ano recuou de 9,27% para 8,89%.

Grosso modo, a inflação “implícita” é expressa pela diferença entre a taxa de juros nominal (referente aos contratos de DI, também negociados na B3) e a de juros real (taxa nominal descontada pela inflação).

O projeto de lei complementar debatido no Congresso pretende reduzir a alíquota máxima cobrada sobre energia, combustíveis, telecomunicações e transportes para até 17%. Atualmente, os Estados definem os valores livremente. “Isso teria um impacto bem relevante nos preços, dado que os itens têm pesos expressivos no IPCA”, afirma o economista-chefe da Greenbay Investimentos, Flávio Serrano. De acordo com ele, a medida em discussão poderia reduzir em aproximadamente 1 ponto percentual a projeção para IPCA de 2022.

Na Gauss Capital, a perspectiva é de que o projeto possa tirar de 0,8 a 1 ponto percentual da inflação de 2022. Para Carlos Menezes, gestor de renda fixa da casa, o mercado passou a atribuir probabilidade maior à aprovação do projeto por se tratar “de um período eleitoral e de grande demanda popular contra a inflação”.

Menezes também observa que as taxas de inflação implícita já estavam bastante elevadas, uma vez que os agentes financeiros reconheciam “um cenário ruidoso para a inflação”. “Era uma operação que o mercado estava bastante habituado a fazer: apostar numa inflação mais alta, depois das surpresas do IPCA neste começo de ano”, afirma.

Assim, pontua o gestor, os investidores “vinham premiando bastante” a expectativa de inflação de curto prazo, que chegou a superar 9% nos últimos dias. “Agora a pressão sobre essas taxas foi significativamente aliviada”, afirma. “A leitura é que o impacto será imediato na inflação corrente, mas o cenário é menos óbvio para a inflação de médio prazo. Não sabemos ainda quando essa alíquota do ICMS voltaria ao nível anterior.”

De fato, o movimento observado nas implícitas de vencimentos médios foi bem mais modesto. A título de ilustração, a inflação embutida na NTN-B para agosto de 2024 recuou de 6,77% para 6,58%.

As taxas de juros negociadas na B3 também foram impactadas pelo tombo das expectativas de inflação do mercado e fecharam em queda, em uma dinâmica que ganhou tração no meio da tarde. “O mercado foi reagindo progressivamente ao longo do dia à medida que as pessoas viam a medida. Foi algo repentino, que não estava muito no mapa”, diz João Fernandes, economista da Quantitas.

No fechamento, a taxa do DI para janeiro de 2024 cedeu de 12,985% para 12,905%, enquanto a do DI para janeiro de 2025 recuou de 12,365% para 12,235%. As taxas longas também seguiram a mesma dinâmica e despencaram - o juro do DI para janeiro de 2027 diminuiu de 12,16% para 11,975%.

Para Serrano, da Greenbay, o projeto em discussão não corresponde a uma “solução definitiva” para o problema inflacionário no Brasil. No entanto, a medida está na pauta política num momento em que a situação da arrecadação de tributos tem surpreendido positivamente, observa. Na visão do economista, isso evita que um movimento de estresse ocorra na ponta longa da curva de juros, que geralmente tem um comportamento bastante associado à dinâmica das contas públicas.

Fernandes, da Quantitas, observa que existe espaço para que o impacto visto ontem nos mercados de renda fixa continue nos próximos dias, até que as votações na Câmara e no Senado sejam finalizadas. Ele espera que ao menos seja aprovado um texto com conteúdo “relevante” após o requerimento de urgência do projeto ter passado com ampla maioria na Câmara.

“O cenário-base é de que seja aprovado também no Senado, já que vimos manifestações críticas sobre a forma como os Estados lidaram com o diesel”, avalia o economista da Quantitas. “Claro que as tramitações são incertas, mas alguma coisa relevante deve ser aprovada”, aponta.

A Quantitas prevê que o impacto da medida nos preços de gasolina e de energia elétrica seja de aproximadamente 1 ponto percentual. Caso outros itens sejam incluídos na proposta, o impacto no IPCA pode ser ainda maior, nos cálculos de Fernandes.

Fonte: Valor Econômico