Estado do Rio obtém vitória na Justiça e consegue reter valores que seriam repassados ao Banco Master
Enviado Sexta, 05 de Dezembro de 2025.A intenção é recuperar os R$ 970 milhões investidos pelo Rioprevidência na instituição financeira, que está em liquidação extrajudicial
O repasse, ao Banco Master, de valores referentes a empréstimos consignados descontados em folha mensalmente de servidores, aposentados e pensionistas do Estado do Rio foi proibido pela Justiça do Rio, em decisão assinada pela juíza Georgia Vasconcellos, da 2ª Vara de Fazenda Pública do Tribunal de Justiça do Rio, nesta quinta-feira. A medida é uma resposta a uma ação protocolada pelo Governo do Estado e o Rioprevidência.
A Justiça determina que os valores devidos ao Banco Master e à PKL One Participações S.A (apontada como sendo do mesmo grupo econômico), relativos a empréstimos consignados feitos pelo funcionalismo, fiquem retidos em uma conta do Rioprevidência. Os recursos deixarão de ser transferidos para o caixa previdenciário até que se chegue ao valor total de R$ 970 milhões, montante que o Rioprevidência investiu no Master, cuja liquidação extrajudicial (ou encerramento de suas atividades) foi determinada pelo Banco Central.
A tutela cautelar ainda proíbe os réus de adotar qualquer medida contra os servidores ativos e inativos que contrataram empréstimos pelo CredCesta, como a negativação em cadastros restritivos de crédito ou o seu protesto.
Na decisão, a juíza afirma que "o poder geral de cautela conferido ao Magistrado permite a este a adoção de medidas voltadas à proteção do interesse público — principalmente o primário — e que, no caso vertente, envolve o resguardo de vultosa quantia investida cuja possível perda importaria não apenas em notório prejuízo ao erário, mas sobretudo recairiade forma severamente impactante sobre o pagamento dos aposentados e pensionistas deste Estado".
Investimento do Rioprevidência no Banco Master
Os primeiros aportes do Rioprevidência, fundo de aposentadoria dos servidores estaduais, no Banco Master foram feitos de novembro de 2023 a abril de 2024 em cinco operações, que somadas chegam a R$ 670 milhões. O órgão aplicou R$ 2,6 bilhões em letras financeiras e títulos de renda fixa na instituição financeira e em sua corretora desde 2023, de acordo com auditoria do Tribunal de Contas do Estado (TCE), que vinha fazendo alertas sobre irregularidades nessas operações há um ano. Agora, mesmo sem a certeza de que receberá esses valores de volta, o governo do Rio garante que os pagamentos aos inativos e pensionistas não serão afetados.
Os produtos de investimento escolhidos pelo órgão estadual foram as letras financeiras, que não têm a proteção do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), que opera como um “seguro” no mercado financeiro e cobre até R$ 250 mil em alguns tipos de investimento. Mesmo que a previdência estadual tenha esse respaldo em algumas das aplicações, a restituição seria apenas de uma parte mínima do total investido.
Em nota, o Rioprevidência afirma que investiu no Banco Master R$ 960 milhões em letras financeiras entre outubro de 2023 e agosto de 2024. Não cita, no entanto, as aplicações nos fundos da corretora do Master. O comunicado diz ainda que “a autarquia está em negociação para substituir as letras por precatórios federais”. Sobre o fato de ter escolhido o banco para fazer aplicações de risco, esclareceu que o Master “detinha autorização de funcionamento emitida pelo Banco Central do Brasil, credenciamento ativo junto ao Ministério da Previdência Social e classificação de risco de crédito de “grau de investimento”, atestando solidez financeira e a credibilidade institucional”.
Desde o ano passado, o TCE vinha alertando sobre os problemas que investimentos no Master poderiam gerar ao Rioprevidência. A corte abriu uma investigação para apurar a gestão de aplicações feita pela autarquia, que destinou 25% de todos os recursos aplicados ao grupo Master. Em maio, o TCE já tinha observado um “atropelo” no processo de habilitação da financeira, que foi efetivamente cadastrada somente um mês depois do início dos aportes no Master.
Os conselheiros do tribunal enviaram um documento ao Rioprevidência avisando que quaisquer novas operações similares às investigadas pela corte naquele momento “implicaria a integral assunção do risco de possíveis irregularidades pelo Rioprevidência e por seus agentes, pessoalmente”. Sem receber retorno do órgão de previdência, o TCE determinou em outubro uma tutela provisória, que impede novas transações com o Master.
Mesmo com o alerta do tribunal, o Rioprevidência aplicou R$ 1,1 bilhão em fundos geridos pelo Master de 20 de maio a 25 de julho, período em que a crise do banco era amplamente divulgada.
‘Taxas vantajosas’
Em 9 de abril, no plenário do TCE, o ex-diretor de investimentos do Rioprevidência Euchério Lerner Rodrigues explicou que foram feitas pesquisas com bancos concorrentes de mesmo tamanho, mas as taxas oferecidas pelo Master eram mais vantajosas.
“A gente entendia que era possível, sim, comprar letras financeiras do Banco Master, e a cada uma das nove operações que foram feitas, essas operações foram balizadas com as taxas de mercado para a gente ter certeza de que estava tendo a melhor rentabilidade no interesse do Rio Previdência”, disse Lerner Rodrigues, que deixou o governo estadual em março de 2025.
Dias antes o presidente do Rioprevidência, Deivis Marcon Antunes, tinha enviado ao TCE um relatório em fevereiro mostando ter feito consultas a apenas dois grandes bancos antes das primeiras operações, que não estão no mesmo patamar de classificação do Master. Somente em maio de 2024, quando milhões de reais já tinham sido destinados ao Master, foram feitas cotações em financeiras concorrentes diretas do banco, e o Master foi novamente escolhido para mais aportes de R$ 160 milhões.
Marcon Antunes defendeu ainda, no ofício, as operações das Letras Financeiras do Master, que somaram quase R$ 1 bi até meados de 2024. Ele também criticou quem apontava riscos de outras operações que o Rioprevidência continuou a fazer com o banco.
“Todo investimento possui riscos, o gerenciamento responsável e constante dele é preponderante para a gestão eficiente (...) A equipe técnica do Rioprevidência tem suas decisões pautadas na avaliação constante dos ativos e na aderência dos mesmos as determinações legais e regulamentares, e não em matérias e notas jornalísticas tendenciosas ou inverídicas”, diz trecho do documento.
Os investimentos após o alerta de maio do TCE foram, de fato, de risco. Os recursos foram em fundos administrados pela corretora do grupo, também foi liquidada pelo Banco Central. Um desses aportes foi de R$ 100 milhões no fundo Texas I FIA, que têm 96% da carteira em ações da Ambipar — que está em recuperação judicial e derreteu na bolsa de valores. Os aportes desse investimento foram feitos em junho deste ano e, até a semana passada, as ações da empresa já tinham desvalorizado 97%.
Menos que poupança
Outro investimento depois de maio foi no Arena Fundo de Investimento em Renda Fixa / Título Público — de R$ 660 milhões. No entanto, já havia aportes que somavam R$ 440 milhões. A aplicação também causou estranheza aos técnicos do tribunal. A primeira aplicação, de R$ 50 milhões, foi feita em 19 de dezembro do ano passado — um dia após o fundo ser aberto. E não só isso. O Rioprevidência é o único cotista da carteira de investimentos, que até agosto deste ano rendeu apenas 4,05%, menos que a poupança (5,47%).
A apuração do TCE começou no ano passado, a partir de denúncia do deputado estadual Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSD), que voltou a cobrar responsabilidades após a prisão ontem do controlador do Master, Daniel Vorcaro:
— Venho apresentando sucessivas denúncias em relação às aplicações no Master. Um banco de terceira linha classificado pelo Banco Central, que oferecia investimentos com 130% acima do CDI. Isto é investimento com grande possibilidade de não ter retorno e se transformar numa pirâmide — afirmou.
O advogado Francisco Costa e Silva, sócio da Bocater advogados, afirma o RioPrevidência não tem a garantia de que o dinheiro aplicado será recuperado. Ele explicou que todos os ativos do banco formarão uma massa para o pagamento de credores — e o órgão de previdência será um deles. Antes disso, há uma longa etapa a ser cumprida:
— Hoje, o banco Master é uma incógnita. Não é possível saber hoje se os balanços foram maquiados ou fraudados. Só depois da entrada do interventor e essa auditoria ser concluída, o que pode levar meses vai se ter algo mais concreto. Por cada CNPJ ou CPF o que está assegurado, em alguns casos, são os R$ 250 mil do FGC. Um valor ínfimo diante do aporte do Rioprevidência na instituição.
Liquidação do Banco Master
Um dia após o anúncio da compra do Master por R$ 3 bilhões pela Fictor Holding Financeira, em parceria com fundos de investimento dos Emirados Árabes Unidos, o banco teve sua liquidação extrajudicial decretada pelo Banco Central. Em paralelo, Daniel Vorcaro, dono da instituição financeira, foi preso pela Polícia Federal, como antecipou o colunista do GLOBO Lauro Jardim.
A trajetória recente do Banco Master, marcada por negociações frustradas, investigações e crescente preocupação regulatória, explica a origem da crise financeira que resultou no desfecho de agora. Em poucos meses, a instituição passou de candidata a ser comprada por um banco público a protagonista de uma crise que mobilizou órgãos de controle e gerou tensão política em Brasília.
O ponto de partida foi o anúncio, no início do ano, de que o Banco de Brasília (BRB) pretendia comprar 58% do capital do Master por cerca de R$ 2 bilhões. A operação foi apresentada como uma aposta estratégica para ampliar presença nacional, mas rapidamente levantou dúvidas sobre a saúde financeira do Master — especialmente pela elevada captação via CDBs de curto prazo com custos muito acima da média do mercado.
A partir daí, começaram as idas e vindas. A Câmara Legislativa do DF aprovou o negócio, mas o Tribunal de Justiça questionou partes do acordo. Ministérios Públicos — tanto o distrital quanto o federal — abriram apurações para avaliar a consistência da operação e possíveis impactos fiscais. Paralelamente, o Cade deu aval concorrencial, enquanto crescia a pressão política de parlamentares do Centrão em defesa da compra, em meio a críticas ao rigor do Banco Central.
Mesmo com movimentações de bastidores para viabilizar a transação, a equipe técnica do BC intensificou a análise diante do risco crescente. O volume de captações caras do Master, somado à fragilidade da carteira e ao risco de liquidez, pesou contra o negócio. No início do mês, a autarquia vetou formalmente a operação com o BRB, o que acendeu um alerta ainda maior sobre a real situação da instituição.
O banqueiro foi preso pela Polícia Federal na noite de segunda-feira (17)
A decisão foi o estopim para o desfecho final: sem conseguir demonstrar capacidade de continuar operando, o Banco Master teve a liquidação extrajudicial decretada.
Principais movimentos
Março de 2025: É anunciado o acordo preliminar: o BRB manifesta intenção de adquirir 58% do Banco Master S.A. por cerca de R$ 2 bilhões, visando a expansão nacional.
Abril a Julho de 2025: Início do escrutínio e ações judiciais por parte de órgãos como Ministério Público do DF, MPF e Ministério Público de Contas, levantando dúvidas sobre a avaliação dos ativos (precatórios) e a transparência da operação.
Agosto de 2025: A Câmara Legislativa do DF aprova a lei que autoriza o BRB (banco estatal) a realizar a aquisição, dando sinal verde político.
Junho a Agosto de 2025: A diretoria de supervisão do Banco Central (BC) intensifica a cobrança por garantias adicionais e ajustes na estrutura do negócio, manifestando ressalvas sobre a liquidez e o passivo do Master.
Setembro de 2025: O Banco Central (BC) rejeita formalmente a aquisição pelo BRB, encerrando definitivamente a negociação entre os dois bancos.
Novembro de 2025: O Master busca novos investidores, resultando na proposta de compra pela Fictor Holding Financeira (com investidores estrangeiros) e o anúncio de um aporte de R$ 3 bilhões, em uma operação que desmembra o grupo e está pendente de aprovação do BC.
CDBs de risco e passivo bilionário
Outra preocupação vinha da sucessão de CDBs emitidos pelo Master. O banco privado cresceu muito nos últimos anos com uma estratégia de captação agressiva. Ele oferecia no mercado CDBs com retornos muito acima da média do mercado, com a salvaguarda do Fundo Garantidor de Créditos (FGC).
Por outro lado, o ativo para fazer frente ao pagamento futuro desses títulos aos investidores que o adquiriram é bastante ilíquido, como precatórios e investimentos em empresas em dificuldades financeiras.
Desde o início, pessoas próximas ao assunto diziam que era importante ter uma solução global para o Master.
Com o passivo bilionário, em caso de quebra do Master, o FGC, que é formado com contribuições das instituições financeiras associadas, pode ter de arcar com um volume relevante de ressarcimento para pessoas físicas com aplicações de até R$ 250 mil.
Fonte: O Globo
Aumentar textos
Reduzir textos
Contraste