Crescimento está ligado mais a reformas que a impulso fiscal, diz economista Aloísio Araújo

Enviado Quinta, 19 de Setembro de 2024.

Num período em que o Banco Central inicia iniciar um novo ciclo de aperto monetário, o economista e matemático Aloísio Araújo defende que o governo se concentre no ajuste fiscal como alternativa aos juros altos. Ontem o Comitê de Política Monetária (Copom) elevou a taxa básica de juros (Selic) em 0,25 ponto, para 10,75 ao ano.

Mas ele discorda da visão fiscalista de alguns de seus colegas de profissão: o governo não deve buscar o equilíbrio das contas públicas a todo custo, com alta de impostos e corte de gastos sem maiores critérios. Em vez disso, recomenda eliminar o que chama de “gastos ruins”, que define como aqueles que não geram crescimento da economia.

“Prefiro lidar com esses gastos ruins do que aumentar os juros”, diz Araújo, que é professor da Fundação Getúlio Vargas. (FGV) e do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa). Exemplos de gastos ruins, segundo ele, são a forte expansão do seguro desemprego e as transferências federais a municípios que proliferaram nas últimas décadas.

Há também os “gastos bons”, que devem ser preservados. Na contramão da visão defendida por economistas de dentro e de fora do governo, ele desaconselha extinguir a regra que faz os gastos com educação crescerem automaticamente junto com a arrecadação. O ataque aos gastos ruins, acrescenta, não precisa sacrificar políticas públicas que promovem maior equidade, que foram chanceladas pelas urnas.

Em entrevista ao Valor, Araújo rebate a visão mais keynesiana de que, para seguir a trajetória de crescimento, é necessária a manutenção dos fortes impulsos fiscais. Ele diz que, em grande medida, o desempenho surpreendente do Produto Interno Bruto (PIB) se deve a reformas econômicas, como a trabalhista.

“Tem gente que diz que precisa desse impulso fiscal para haver o crescimento. Se alguém acredita em impulso fiscal, não deve ser agora”, diz Araújo, referindo-se ao ambiente de maior preocupação com a inflação, que leva o Banco Central a subir o juro.

Araújo evita entrar na polêmica sobre se é certa ou não a alta de juros patrocinada pelo Banco Central. Ele admite que talvez seja necessário o aperto, se de fato a economia está crescendo acima do limite não inflacionário. “Talvez tenha que ter esse aumento de juro no curto prazo, porque o corte de gastos ruim leva tempo para acontecer e ter efeito.”

Mas ele desaconselha focar apenas no aperto monetário. Tem que haver uma ação fiscal com discernimento. “Aumentar juros aumenta o gasto ruim. Nos Estados Unidos, os gastos com juros estão em US$ 1 trilhão, no Brasil estão em R$ 1 trilhão.”

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Está havendo um crescimento econômico mais forte no Brasil, e eu acho bom. Tem muita divergência sobre o que provoca esse crescimento. Minha visão é que uma boa parte vem das reformas microeconômicas, de décadas atrás, que nos últimos anos incluíram reformas importantes. O mercado de trabalho muito vigoroso tem a ver com a reforma trabalhista. Também tivemos o marco de saneamento, a Lei de Falência e agora a reforma da tributação de consumo.

Tem gente que diz que precisa desse impulso fiscal para haver o crescimento. Se alguém acredita em impulso fiscal, não deve ser agora. Numa situação destas, você precisa menos de impulso fiscal. Prefiro lidar com esses gastos ruins do que aumentar os juros. Também não tenho essa visão de que, porque tem impulso fiscal, deve botar os juros na lua. Você tem que cortar gastos ruins. É uma forma indireta de lidar com os impulsos fiscais. Acho muito melhor do que ficar aumentando os juros. O crescimento econômico fica mais vinculado às reformas, como a reforma tributária do consumo.

Tem a visão da tradição mais antiga do FMI de fechar as contas do governo a qualquer custo. Uma visão meio simplificada. Fechar as contas, só isso. No governo FHC 2, fechou as contas do governo e aumentou a carga tributária. Deixou uma bomba que a gente tenta corrigir com a reforma do IVA. Não gosto de pensar dessa forma. Não é uma questão de fechar a conta do governo. Tem que olhar a qualidade do gasto. Tem gasto ruim e tem gasto bom. E tem gastos que são desejos do governo de dar maior equidade, que é outro tipo de gasto, que tem que respeitar, porque são inclinações diferentes que saem das eleições.

Fazer o ajuste fiscal só do lado da receita é arriscado, porque você pode não conseguir. Muitas vezes o Congresso não aprova, pode haver decisões no Judiciários. É verdade que o esforço contra fraudes nos gasto em sido muito bom no governo, com o pente-fino nas despesas do Bolsa Família, do INSS, BPC.

Aumentar juros aumenta o gasto ruim. Nos Estados Unidos, os gastos com juros estão em US$ 1 trilhão, no Brasil estão em R$ 1 trilhão. Prefiro o argumento de que a utilidade do impulso fiscal perdeu força. Talvez tenha que ter esse aumento de juro no curto prazo, porque o corte de gastos ruim leva tempo para acontecer e ter efeito. Não quero me manifestar sobre se é certo ou não subir o juro. Agora, se está gerando um crescimento da economia acima do que comporta sem gerar inflação, acho que tem que cortar gastos, além de aumento de receitas e combate a fraudes. Em vez de ficar nessa rota dos juros altos, o grosso do ajuste precisa ser feito pelo corte de gastos ruins. Tem que começar a cortar agora, e começar a discussão sobre alguns pontos, que podem avançar só no próximo governo.

O seguro-desemprego no Brasil cresce com o aumento do emprego, ao contrário de outros países. Tem que repensar, redesenhar. Não há nada tão ruim como no Brasil, com esse paradoxo. Isso custa dinheiro. O Brasil tem dois seguros-desemprego. Tem o FGTS e o seguro desemprego

Quando foi feita essa expansão no número de municípios, o Brasil estava com crescimento populacional grande. Já não se justificava naquele período, sempre foi um exagero. Mas essa questão demográfica levou a uma certa leniência. Aproximadamente 20% dos municípios têm mais eleitores do que habitantes. É um pouco estranho. Há uma quantidade grande dos municípios que vivem de repasses. Tem um monte de municípios-fantasma. Houve muitos desmembramentos de municípios. A parte do município com arrecadação alta se emancipa, e fica o município dependente de transferências.

O Simples é um gasto ruim e pode ficar pior. O teto de R$ 1 milhão é muito alto, e existe um projeto no Congresso para aumentar. Na Itália, em que isso é um problema, o teto é muito menor. O gasto tributário com os ricos é enorme. Há alguns mais difíceis de abordar, como o da Zona Franca de Manaus. Mas acho que a revisão do gasto tributário com o Simples pode ganhar força, com a vigência da reforma da tributação do consumo. Vai ter aumento grande de carga tributária de alguns setores. É uma redistribuição entre setores. Vai sera oportunidade para olhar esse gasto tributário com o Simples.

Não sou favorável a cortes de gastos em saúde, é impossível. Nem em educação, porque é fator de redução de desigualdade, fator de equidade, e favorece o crescimento econômico posterior. Os anos de educação estão aumentando. Tenho um artigo recente, com dois co-autores, sobre o novo Fundeb, mostrando a causalidade de melhora da educação com o aumento de gastos feito atrás. Fala-se que se gasta muito em educação como proporção do PIB [Produto Interno Bruto]. Mas ainda há muito o que fazer. A qualidade das creches é muito heterogênea, implantar a escola de tempo integral é importante, estamos bem atrás no ensino técnico. Embora esteja havendo uma transição demográfica, a gente ainda está atrasado.

Nessa questão da equidade, tem que ver até que limite vai. Isentar Imposto de Renda até cinco salários mínimos é muito exagerado. Vários governos têm prometido isso, tem uma coisa histórica. O Brasil é um país relativamente pobre. Você tem que taxar os mais ricos, mas não isentar todo mundo. Dois salários mínimos já estão acima da média dos salários no Brasil.

Tem que ser repensada a aposentadoria vinculada ao salário mínimo. O Ministério do Planejamento falou sobre o BPC, que tem que ter uma diferenciação para as pessoas terem o incentivo de ir para o trabalho formal. Boa parte dos ganhos com a reforma da Previdência vai para isso, se projetar para frente. Você pode fazer uma indexação à inflação. Mas sai caro dizer que ninguém que se aposenta pode ganhar menos de um salário mínimo. O Bolsa Família passou de 0,5% do PIB para 1,2% do PIB, desde o governo anterior. É um esforço fiscal grande na equidade. Agora, equidade de quem ganha 20 salários mínimos, como na aposentadoria do funcionalismo? Tem que rever a regra de paridade, que é muito cara.

Gasto ruim é aquele que não tem efeito sobre o crescimento econômico. No caso dos investimentos em infraestrutura, existem alguns que são muito bons, essenciais. Por mais que seja positivo o marco do saneamento, algumas regiões são muito pobres. Como alguém vai se interessar? No Rio, foi feito o subsídio cruzado. Em São Paulo, você quebra o galho, no Rio, mais ou menos. Alguns municípios ficaram de fora. Tem que ter recursos para investimento público.

Na infraestrutura, o grosso é feito com concessões, que é bom que sejam aceleradas, como no caso de rodovias. O marco de ferrovias é muito bom, porque dá uma liberdade para construir os ramais ferroviários se ninguém mais se interessar. Não precisa ser sistema de concessão. Mas tem um pedaço que é feito pelo governo federal. Não acho que é gasto ruim. Depende, claro. Não parece adequada a ideia de voltar a ter estaleiro no Brasil. Os Estados Unidos não constroem nenhum navio civil. Todos os navios são feitos na Ásia, no Japão, na Coreia e principalmente na China. Os Estados Unidos constroem navios de guerra. Mas alguns gastos podem ser bons, como no metrô.

Fonte: Jornal Valor Econômico