O verdadeiro 'Dia Livre de Impostos'

Enviado Segunda, 24 de Junho de 2024.

Além das festividades de São João, o período junino no Brasil tem agora uma outra tradição, bem menos feliz: a do "Dia Livre de Impostos"

Durante a data, que este ano foi comemorada no último dia seis, comerciantes de diversos pontos do país oferecem descontos em suas mercadorias. O objetivo seria o de "conscientizar" a população dos males de nosso sistema tributário, dando a ela uma amostra de quão supostamente melhor para a vida de todos seria se este simplesmente não existisse.

Como bem têm apontado as entidades representativas do Fisco, o problema dessa "conscientização" é que ela tem sido feita só pela metade. Para que fosse completo, um verdadeiro Dia Livre de Impostos seria aquele em que não funcionassem os hospitais e postos de atendimento do SUS, as escolas das redes municipal, estadual e federal de ensino, que a polícia e os bombeiros não circulassem pelas ruas e que fossem interrompidos todos os programas estatais de infraestrutura e assistência social.

Talvez nada disso preocupe muito a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), grupo de interesse por trás da campanha. Afinal, é seguro supor que, dentre seus integrantes, não deixe de haver os que possuam condições de pagar por planos de saúde, educação privada e bem guardados condomínios particulares. Alguns, é até capaz de que disponham de helicópteros e carros blindados, para cruzar incólumes a distópica paisagem que se instalaria por conta de sua "libertária" política.

Para a maioria dos cidadãos, no entanto, o mais provável é que o experimento tivesse um fim tão desastroso quanto o que teve lugar no povoado de Grafton, nordeste dos Estados Unidos. No início dos anos 2000, animada por uma ideologia semelhante à da CNDL, uma legião de forasteiros se fixou na comunidade e a convenceu de que seria ótimo negócio reduzir ao mínimo possível a taxação local. Os resultados mais notáveis foram estradas esburacadas, o quase desaparecimento da coleta de lixo e da iluminação pública, o aumento da criminalidade e até uma onda de ataques de ursos-negros a moradores, coisa que não acontecia na região há um século.

Mas nem é preciso ir tão longe para ver como o barato anti-imposto pode sair caro. Basta lembrar os deletérios efeitos para as finanças estaduais causados pelo corte do ICMS sobre combustíveis feito na última corrida eleitoral. Um rombo de mais de R$ 100 bilhões, segundo o Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz). Dinheiro que certamente faz falta em momentos como o da recente tragédia do Rio Grande do Sul, que reclamam uma ação mais intensa do poder público.

Com a reforma tributária na ordem do dia no Congresso, quando poderiam estar contribuindo de maneira construtiva para o debate, alguns empresários insistem em apenas gerar ruído.
Malgrado seus esforços, contudo, não muda o fato de que pagar pelo Estado brasileiro ainda é preferível a regredir ao estado de natureza.

Fonte: Jornal do Brasil - Por Luiz Cezar Moretzsohn Rocha