Por Luiz Cezar Moretzsohn Rocha

Enviado Quarta, 24 de Abril de 2024.

A Associação Brasileira de Supermercados (Abras) apresentou ao Ministério da Fazenda um documento propondo que uma série de alimentos seja incluída na cesta básica da reforma tributária. Segundo o texto, os itens elencados comporiam o que é qualificado como uma “cesta Sana” (“Saudável Alimentação, Nutricionalmente Adequada”), devendo, por conseguinte, ser beneficiados com significativa desoneração do novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

Tal medida, alega a associação, representaria “um passo transformador” no sentido de “viabilizar o acesso de todos os consumidores, sem exclusões, a uma alimentação saudável, balanceada e diversificada, além de 100% livre de tributação”.

Tudo muito bonito, até constatar que na lista em questão constam artigos como caviar (!!), queijos sofisticados, foie gras de patos e gansos, ostras, enguias e lagostas. Isso num país onde foram registrados pelas Nações Unidas mais de 21 milhões de pessoas em estado de fome, segundo relatório publicado em 2023. E onde mais da metade da população (50,7%, de acordo com estudo da Tendências Consultoria de 2022) pertence às classes D e E, com renda mensal domiciliar de até R$ 2,9 mil. 

Essa faixa de brasileiros tem encontrado dificuldades para sustentar mesmo os hábitos alimentares mais modestos, como tem reiteradamente apontado o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Referimo-nos aqui ao consumo regular de “carne, leite, feijão, arroz, farinha, batata, legumes (tomate), pão francês, café em pó, frutas (banana), açúcar, banha/óleo, manteiga”, gêneros que integram a cesta básica definida pela entidade em suas pesquisas. Uma conceituação que — havemos de convir — soa bem mais realista que a da insana proposta da Abras.

É evidente que uma benesse fiscal tal qual a advogada pelos donos de supermercados em nada contribuiria para a solução desse grave problema. Pelo contrário, apenas serviria para aprofundá-lo.
Não existe almoço grátis. Quanto menos tratando-se de banquete como o que a Abras pretende oferecer a sua clientela mais VIP. O desconto no imposto incidente sobre suas luxuosas iguarias acabaria por ter de ser financiado por tributação mais pesada sobre outros produtos, estes sim muito mais prováveis de ser consumidos pelo comum dos mortais. Trata-se de um programa de distribuição de renda às avessas, que tiraria dinheiro dos pobres e da classe média para subsidiar o faustoso estilo de vida de uma pequena elite de privilegiados.

A aprovação da reforma se deu embalada pela promessa de pôr fim ao famigerado manicômio tributário nacional, não sem razão apontado como um dos fatores responsáveis pela perpetuação de nossas desigualdades sociais. A depender de certos grupos de interesse, no entanto, a equidade em nosso sistema de impostos continuará a ser como o caviar no samba cantado por Zeca Pagodinho: “Nunca vi, nem comi, eu só ouço falar”.

Artigo publicado no jornal O GLOBO - 23/04/2024

Por Luiz Cezar Moretzsohn Rocha é presidente do Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Estadual do RJ

Fonte: O Globo

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