Código de defesa do pagador de impostos ou do sonegador?

Enviado Quarta, 17 de Agosto de 2022.

PLP 17/22 é uma norma infraconstitucional a ser utilizada contra a faculdade de tributar

O PLP 17/2022 foi protocolado, em março, na Câmara dos Deputados, sendo conhecido pelos corredores da Casa como o “código de defesa do pagador de impostos”. Mas, qual seria, de fato, a sua natureza? Apesar da adoção do título com as melhores intenções marqueteiras, a partir de uma observação mais criteriosa, não é muito complexo concluir que o projeto propõe um mecanismo de proteção contra o Sistema Tributário Nacional. Uma norma infraconstitucional a ser utilizada contra a faculdade de tributar, uma tentativa de inversão da pirâmide normativa kelseniana.

Em sua primeira versão, o projeto concebia como premissa e princípio a proteção do contribuinte contra o poder-dever de tributar, fiscalizar e cobrar tributo instituído em lei, conforme estava disposto no inciso I, artigo 3ª, capítulo II. Seria a proposta legislativa uma inovação brasileira de positivação da desobediência civil defendida por Thoreau no século 19? É cristalina, no projeto, a afronta aos princípios constitucionais, ao pacto federativo e à existência do próprio Estado democrático de Direito.

A proposta não abordava a cobrança indevida ou os possíveis excessos cometidos à revelia da lei. Ao contrário, criava um escudo de proteção contra os ditames alicerçados pelos constituintes de 1988 ao afirmar que o contribuinte deveria se proteger da incidência da norma tributária, da cobrança de tributos e da fiscalização.

Enquanto a dívida de contas de consumo de energia elétrica, água e telefone do trabalhador assalariado prescreve apenas após dez anos, a proposta chegava ao ponto de prever a redução da prescrição da dívida tributária de cinco para três anos, beneficiando, sobremaneira, o devedor contumaz e o sonegador que se furtam do pagamento de tributos.

Outro ponto prejudicial às finanças públicas e ao bom contribuinte era o artigo que vedava o bloqueio, a suspensão ou o cancelamento da inscrição do contribuinte sem que haja prévia decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), sob pena de responsabilidade funcional do servidor fiscal.  Isso possibilitaria que as organizações criminosas estivessem livres para abrirem empresas de fachada para as mais diversas operações ilícitas, pois o fisco estaria com as mãos atadas, só podendo agir após a finalização de um longo e moroso processo administrativo tributário.

Alguns dos pontos acima elencados foram modificados no último relatório, suavizando parte do estrago que o projeto causaria em sua primeira versão. Contudo, a versão que se mantem é um grave risco ao país, aos brasileiros e aos bons contribuintes, que pagam os seus tributos em dia. A atual versão do PLP 17 ainda traz pontos que não podem avançar, a exemplo do fim do voto de qualidade no julgamento do processo administrativo tributário de determinação e exigência do crédito tributário.

O projeto prevê ainda que, em caso de empate, a questão seja resolvida favoravelmente ao contribuinte. Dessa forma, os litígios de valores vultosos tendem a fazer coisa julgada no âmbito representantes da Fazenda Pública e dos contribuintes, tendo estes últimos a natural inclinação em defender o grupo ao qual representa.

Além disso, a proposta permite a apresentação de provas documentais, a qualquer tempo, no processo administrativo tributário, desde que a contestação inicial tenha sido feita dentro do prazo legal. Dessa forma, eleva-se substancialmente a possibilidade de a impugnação perpassar indefinidamente a razoável duração do processo, tornando-o, de fato, em uma lide kafkiana, sendo impossível antever uma solução em um razoável lapso temporal.

Os parlamentares precisam estar atentos ao risco que esse texto pode promover a todo o sistema tributário, que ficará ainda mais longe de exercer o seu papel na promoção da justiça fiscal e na diminuição da desigualdade. Caso o projeto, que tramita em regime de urgência, seja aprovado da maneira em que se encontra, vamos contemplar o fim da capacidade estatal de prover os cofres de recursos necessários ao atendimento das políticas públicas, sem a qual, a barbárie não tardaria a chegar. administrativo em desfavor do Estado, que fica impedido de recorrer ao Judiciário, haja vista a paridade de julgadores.

Francelino Valença – Doutorando em direito e auditor fiscal do Tesouro do Estado de Pernambuco desde 1996, é diretor de Formação Sindical da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco)

Fonte: Site Jota - Artigo