Estados investem mais, mas a conta vai chegar logo

Enviado Terça, 16 de Agosto de 2022.

Próximos anos serão fracos também por causa do impacto da inflação nas despesas

Movidos pelo desejo de se reelegerem, governadores estaduais fizeram investimentos pesados no primeiro semestre. Os caixas estão abastecidos com recursos que sobraram das remessas feitas pelo governo federal durante a pandemia e pelo aumento da arrecadação proporcionado pela alta da inflação e das commodities e pela recuperação da economia. Mas a previsão é que esse cenário positivo vai mudar neste semestre e, principalmente, no próximo ano, e os caixas vão emagrecer. Além disso, o que é um investimento no primeiro momento, como a construção de uma nova escola, se transforma em fonte de despesa depois, demandando a contratação de professores e a compra de equipamentos.

Um total de R$ 31,4 bilhões foi investido pelos 26 Estados e o Distrito Federal de janeiro a junho, quase o triplo em termos reais do registrado antes das eleições de 2018, segundo o Valor (9/8). Os investimentos superaram as receitas correntes, que incluem arrecadação e transferências constitucionais da União, que subiram 21% em termos reais no primeiro semestre deste ano em relação ao mesmo período de 2018.

Embora a situação não seja a mesma nos diversos Estados, uma série de fatores abriu espaço para esse aumento de gastos, com objetivos claramente eleitorais. Inicialmente havia sobras das transferências extras feitas pela União como resposta à pandemia. Já no começo deste ano a arrecadação aumentou com a elevação da inflação e alta das commodities, e o crescimento econômico surpreendeu, especialmente na área de serviços. Por outro lado, as despesas foram contidas pelas restrições atípicas, impostas aos reajustes salariais dos servidores públicos na pandemia, quando o pagamento da dívida também chegou a ser suspenso.

A sobra de caixa nos Estados se aproximou de R$ 320 bilhões no primeiro trimestre, segundo cálculo da Instituição Fiscal Independente (IFI). O dinheiro também sobrou nos municípios, que contavam com R$ 185,7 bilhões, totalizando pouco mais de meio trilhão (O Globo 23/5). Parte desses recursos tem destino certo para saúde e educação, mas houve sobras para obras.

O governo federal também ficou de olho nesse dinheiro e forçou os Estados a cortarem o ICMS aplicado nos combustíveis, energia elétrica e telecomunicações, além de ter mudado a base do cálculo do ICMS sobre combustíveis. Os municípios serão igualmente atingidos porque recebem parte do ICMS. A manobra caiu como uma luva para transformar os Estados nos vilões da alta da gasolina.

A redução de impostos sobre bens essenciais como esses é louvável até porque havia Estados que cobravam uma alíquota superior a 30%. Segundo o IFI, os Estados arrecadaram R$ 652,42 bilhões com ICMS em 2021, e 27,4% desse total, R$ 178,9 bilhões, vieram da tributação de energia e combustíveis. Mas não dá para esconder o caráter eleitoreiro da medida. A União também abriu mão de impostos federais sobre combustíveis, mas, a medida só vale até o fim do ano nesse caso.

O governo federal estimou que os Estados vão perder R$ 20 bilhões com as mudanças no ICMS. Mas números do próprio Tesouro indicam que a perda pode ser maior. O Tesouro registrou superávit de R$ 70 bilhões nos governos regionais, o que inclui os municípios, de janeiro a maio, e prevê no máximo R$ 72 bilhões para o ano todo, o que indica que os próximos meses serão de receitas magras.

O especialista em contas públicas Sergio Gobetti prevê uma perda de R$ 57 bilhões apenas no segundo semestre, quase o dobro dos investimentos do primeiro. Os próximos anos também serão fracos, antecipa, por causa do impacto da inflação nas despesas. O aumento da inflação tem efeito em dois tempos nas contas públicas: em um primeiro momento aumenta a arrecadação e, no segundo, eleva as despesas, esfumando os ganhos. A pressão por reajuste do salário do funcionalismo já é uma realidade.

Por trás desse embate, há a discussão sobre o caráter do aumento da arrecadação dos Estados. Os Estados se queixam que o governo federal promoveu mudanças nas regras tributárias baseado em uma expansão conjuntural da arrecadação, que não deve se manter a curto prazo - o Estado de São Paulo já registra desaceleração na receita.

Quatro Estados já conseguiram na Justiça liminar para abater as perdas de arrecadação da dívida a pagar ao Tesouro. Somente São Paulo vai economizar R$ 2,6 bilhões neste ano. Mudanças feitas “na marra” têm pernas curtas.

Fonte: Valor Econômico